A APARÊNCIA, O SER E A FORMA*

(Geografia e Método)

 

ARMANDO CORRÊA DA SILVA

Universidade de São Paulo

 

 

Loucura é razão sublime para um olho perspicaz. Muito Juízo é pura e simplesmente loucura.

A opinião da maioria nisto em tudo prevalece.

Se concordas, és sensato. Discordando – és perigoso.

E acorrentado no ato.

Emily Dickinson (Poemas)

 

 

Resumo:

Este texto analisa o método geográfico, suas mudanças e novos conceitos em uma época de transformações tecnológicas globais e de novos padrões de organização espacial.

Palavras-chave: abstração, revolução tecnológica, método geográfico

 

THE APEARANCE, THE BEING AND THE FORM

 

Summary:

This text analyses the geographycal method, its changes and new concepts in times of global technological transformations and new space organization patterns.

Keywords: abstraction, technological revolution, geographycal method

 

 

 

* Texto transcrito da GEOgrafia nº 3, ano II, UFF, Rio: 2000.  p.7-25.

 

O PRESSUPOSTO

A Geografia é uma subtotalidade. Ela pode ser identificada, no âmbito do conhecimento, como uma ideologia do cotidiano, expresso pela apreensão da espacialidade do valor relacional contido no real. Deste modo, apresenta-se, ao mesmo tempo, com uma essencialidade desse real e como sua manifestação externa. O que é geográfico está diante de nossa percepção – aquilo que se “vê” – e possui um significado dado pela particularidade e pela forma: aquilo que se apresenta como um momento da existência de uma configuração do espaço e pelo movimento diferenciado e múltiplo neste.

Trata-se, aqui, de explicitar o método dessa subtotalidade.

 

A abstração

Não se trata do procedimento mental de isolar algo para fins de estudo para depois buscar-lhe o essencial.

O ponto de partida é a consideração da abstração em si mesma como objeto.

Assim, ela se põe ante a mente como vazio. Mas, deve-se distinguir esse vazio, como um aspecto do real concreto em si, da própria idéia do vazio. Há uma polêmica sobre a existência ou não do vazio, mas não se trata de explicitá-la. Toma-se aqui sua existência como um dado imediato da consciência prática. É essa consciência sensível do vazio que propõe sua existência como hipótese teórica.

Teoricamente, o vazio é o nada, que a praticidade do universo identifica como uma forma do real existir. O nada pode ser pensado como o não-ser. O não-ser possui uma espacialidade relacional: os vazios são múltiplos.

Na subtotalidade o movimento está presente na relação entre os vazios e no silêncio do universo. Mas, como parte do movimento em geral. Então, na subtotalidade, o próprio movimento é contingente. Possui um ponto de partida que é dado pela indeterminação, que é inerente ao vazio, ao nada, à não determinação.

A indeterminação aqui não é a do mundo da Física, mas, sim, a que existe na consciência. Isto implica na possibilidade de escolha. A escolha é um ato de liberdade que, ao evidenciar-se, defronta-se com o mundo das determinações, ou seja, da necessidade.

 

A IDÉIA COMO PROJETO E PLANO

A abstração supõe, por isso, a idéia abstrata. Mais do que isso, a idéia abstrata – a idéia do nada, que nasce da praticidade do mundo – está contida na abstração. Então, o vazio supõe o não-vazio. O não-vazio é, assim, no princípio, a idéia abstrata. Há uma outra polêmica sobre a idéia abstrata, mas também não se trata de explicitá-la aqui. O importante é que a consciência prática rejeita a idéia abstrata. Ao fazê-lo, legitima-a, opondo-lhe a idéia concreta.

É da oposição entre a idéia abstrata e a idéia concreta que nasce, ainda, a idéia do projeto e do plano. Mas, ocorre uma mudança: a idéia do projeto e do plano não se relaciona mais ao mundo da consciência prática, e, sim, ao da consciência técnica. Nascendo o código, nasce o mundo organizado do homem contemporâneo, no qual o moderno superpõe-se ao renascentista, ao iluminista e ao romântico, no próprio momento em que, historicamente, ele está morto, contradição essa que abre para infinitas possibilidades e probabilidades de indeterminação. Uma dessas indeterminações é a consciência e prática da elitrição. No limite, a indeterminação torna-se aleatoriamente determinada. Mas, então, ultrapassa-se o sistema de coordenadas da subtotalidade geográfica. Fazer Geografia passa a ser destruí-la, mas como modo prisioneiro da História. É este o ponto em que se encontram muitas formulações sobre o espaço e o geógrafo. A geografia que aponta para o futuro deve, como subtotalidade que é, tentar encaminhar a questão.

 

Projeto e Programação

A consciência técnica contém um saber específico que se esgota na função. Ela lida com estruturas espaciais e temporais das quais decodifica as conexões internas-externas. Os subsistemas são modos prático-inertes da automação como trabalho morto. Eles são a expressão sensível ainda da subtotalidade. É a consciência teórica, a consciência científica, que lhes dá uma primeira significação, como trabalho vivo. Mas, apenas como articulações causais diversas que exprimem a funcionalidade.

Mas, há aí uma elaboração mental do fazer, que se opõe como a teoria da forma e conteúdo, mas num outro nível. A praticidade da consciência técnica defronta-se com a consciência da inteligibilidade do real representada pela teoria científica. Ou seja, na consciência técnica está presente a possibilidade da consciência científica. A diferença é aqui de qualidade, porque a lei inclui a função, mas a ultrapassa como explicitação da essencialidade do real e sua manifestação externa. O “ver” é então o ultrapassar o olhar. De uma parte, isto já está contido no código; de outra, põe-se a teoria do código que lhe dá um sentido que, este, não pertence mais ao mundo da percepção, mas ao mundo dos objetos ideais presentes na abstração.

O projeto é, então, uma articulação de idéias abstratas e de idéias concretas ao nível da teoria científica, que tem como pressupostos os mediatos da prática e da técnica. A programação indica, por isso, o caminho a seguir. Ela situa a teoria no contexto teleológico dado pelo projeto. Mas, o projeto na subtotalidade refere-se a uma configuração do espaço e àquele movimento diferenciado e múltiplo.

Então, o projeto e a programação, se corretamente formulados, são o modo de por-se a relacionalidade como trabalho útil, necessário e produtivo. Ou seja, como modo de exprimir-se a praxis do ser do intelecto. Daí que, como sujeito psicológico, sujeito cognoscente, sujeito coletivo e sujeito histórico.

 

Produção da Informação

A informação é um suposto do real, que, ao nível mais elementar, é a emissão de sinais, que podem ser simbólicos ou não-simbólicos. É a pesquisa sistemática ou não, que os elabora como significantes e significados.

A informação, como significante, implica na elitrição. É um seu primeiro momento, que desde logo é interativo, como dado real ou imaginário. É a reflexão sobre o movimento relacional aí implícito que permite a percepção da informação.

Num segundo momento, a abstração põe-se em movimento, como idéia indeterminada que registra os sinais e lhes dá sentido. Põe-se, então a cognição, como apreensão do real na mente. O significado é, por isso, a intelecção da informação, que a apreende em movimento e como instante do mover-se em direção à comunicação.

A informação implica, assim, no ato, no gesto, na cor, no ruído, no som como modos de exprimir-se a idéia concreta.

Informar-se é receber os sinais e decodificá-los, registrá-los e colocá-los à disposição da mente.

Mas, como produzir a informação? Como o fazer relaciona-se ao pensar? Como selecionar as informações? Como organizá-las?

Identificada a informação em sua gênese, é possível produzi-la. Tudo dependerá, então, dos objetivos que a consciência da imediaticidade definir. A intuição desempenha aqui um papel. Mas, apenas como criatividade dirigida ou aleatória, que tem como pressupostos o projeto e a programação. O projeto relaciona a forma aparente e a forma real, o conteúdo aparente e o conteúdo real do mundo fenomênico. A programação permite sua operação.

 

Comunicação da informação

Produzida a informação, esta pode ser comunicada ou não. Não é qualquer informação que permite a elitrição, entendendo esta como uma relação supra-sensorial.

A abstração aqui indica a possibilidade da inter-subjetividade e, com esta, a existência da razão cognitiva. A efetividade da comunicação põe-se como o existir dos outros. Mas, apenas se é um existir não reificado, porque, nesse caso, as relações são somente objetivas. A informação não se manifesta como trabalho vivo, que implica a motivação.

Comunicar a informação é, por isso, ir além do “ver”. Implica em modificar o significante e o significado.

A comunicação apreendida é a comunicação da qual se fez a leitura que mobiliza a abstração em direção à idéia nova. O procedimento descongela as categorias e os conceitos. Daí, o reaparecimento da indeterminação, como variável aleatória ou independente. Mas, agora, indeterminação sobredeterminada.

 

Retorno e significado

O pressuposto não se confunde com a hipótese, embora com ela tenha relações. Ele se situa ao nível daquilo que precede a metalinguagem e a metateoria. Por isso, não é arbitrário, embora possa ser probabilístico.

Foi esboçada aqui uma breve consideração sobre a abstração.

Como o autor tem verificado, pela literatura disponível, é um assunto complexo e pouco elucidado, o que justifica a ausência de citações, para evitar o viés da recorrência.

Também a reflexão sobre a idéia encontra-se desatualizada. Algumas analogias foram então inevitáveis, relacionadas ao período técnico-científico de nossos dias.

Mas, pretendeu-se ficar ao nível do núcleo racional do método e na caracterização de um ponto de partida, no interior do movimento contingente da subtotalidade geográfica.

Na sequência deste trabalho, trata-se da explicitação ôntica do método.

Como o leitor atento percebeu, evitou-se tratar aqui da oposição materialista clássica entre o real e o imaginário. A totalidade, como se propôs, foi pensada como o conjunto das relações essenciais de um fenômeno.

Trata-se, então, de evidenciá-la nas relações entre o ser e a espacialidade. É um momento necessário para se chegar ao objetivo deste livro.

A bibliografia, ao final, refere o apoio categorial e conceitual utilizado, o que, por si, já remete à concepção de um pluralismo ôntico, que as diversas metodologias aclaram.

O ecletismo não se põe, na medida em que a ontologia é específica e se refere a um recorte do real que possui organicidade teórica e empírica.

O procedimento é recente e encontra sua justificativa na fragmentação da totalidade, de que ele é a consequência epistemológica. Uma consciência epistemológica crítica e analítica.

 

FENOMENOLOGIA ONTOLÓGICA-ESTRUTURAL

A foto do satélite espacial dá ao mundo uma unidade diferenciada, colorida, que ilude o observador não atento. Ela é bela e homogênea, mas apenas ao nível de uma neo-estética da forma.

As imagens do microcosmo do átomo mostram ao observador uma realidade em movimento contínuo e aleatório. Uma outra ilusão, desta vez heterogênea, que impressiona também pela dimensão de um neo-esteticismo.

Na escala do planeta, em seu cotidiano, nem o homogêno espacial, nem o heterogêneo dinâmico e indeterminado, representam a permanência da particularidade. Esta é um mosaico informe de que só se apreendem os instantes fragmentados do repouso e do movimento, na ainda ilusão da mundialidade do presente. É a sobredeterminação da idéia, no projeto e no plano, que procura dar coerência ao mundo fenomênico, a partir do qual são organizados pela mente os pedaços. Não que o real não tenha um sentido apreensível: mas, é uma lógica plural, que o apropria como forma, estrutura, símbolo e movimento, numa composição que, se retém o cotidiano, também o transfigura.

 

Formalização e pressuposto

A forma pode ser o modo – que remete ao método; a estrutura – que remete ao objeto, ao trabalho morto; a complementaridade ao conteúdo – que explicita a dualidade do real; a manifestação – que diz respeito à comunicação, à existência; a aparência – que se contrapõe à essência; a materialidade do mundo – que remete ao estado da matéria e à sua configuração; a própria forma – como pensamento regulado pela lógica; o processo – como devir da forma mesma; a particularidade – como expressão da totalidade; o modelo – como expressão da figura; o físico e o social – como modalidades de espaços.

Como dar forma à abstração?

 

O modelo da idéia como projeto e plano

que reter a história da contemporaneidade para responder-se, ou seja, o momento em que o pensar separa o que pensa e o que é pensado. Momento individual e social que pressente o futuro humano como dualidade presente não resolvida e acentuada como fragmentos.

A razão prática e a razão pura daí derivadas serão em seguida compostas como totalidade ideal objetiva, que é subvertida pela perspectiva que opõe o social ao individual.

A partir daí põe-se o dilema contemporâneo e moderno das unidades e das diferenças, bloqueado pela impossibilidade da consciência alçar-se mais além das possibilidades limitativas do real e do imaginário.

O que muda na prospectiva?

A percepção passa a ser uma complexidade de impulsos determinados e indeterminados, que geram um comportamento pensante contínuo que tudo quer entender, mesmo os automatismos. Essa liberdade assim posta é limitada pela inércia dinâmica que obriga a consciência a ultrapassar todo o tempo o pensamento que se congela no fluxo vivido e que tem que se renovar para acompanhar o sentido do espaço e da duração. A velocidade - se não é tudo – torna-se uma companheira de si mesma e dos outros. Não se trata de a ela opor-se, mas de torná-la possível na indeterminação sobredeterminada da idéia. Se a idéia torna-se força material na mente das pessoas – e, assim, determinação – é preciso no entanto impedir que a elitrição se esvaneça. O trabalho morto não deve dominar o trabalho vivo, mesmo que aquele se apresente nas formas dinâmicas e modernas da comunicação eletrônica. Se a imagem é o real, o real é o imaginário, destituído de suas formas alienatórias e místicas. A contradição aí apenas revela a consciência fantástica, que indica o caminho do futuro.

 

A objetividade analítica como correspondência

A fragmentação do real e a mente dividida são complementos de uma mesma possibilidade: a dimensão ôntica do método. Este se põe, assim, como síntese da análise e análise da síntese, num movimento intelectivo que vai do todo à parte e desta ao todo.

A objetividade assim obtida, como resultado da razão analítica, transparece como a totalidade na articulação ontológica dos pedaços. Ela faz desaparecer a tensão imanente à oposição entre a cognição e a instrumentalidade. Ao fazê-lo, dá à percepção, assim renovada, um modo de “ver” que permite ao olhar ultrapassar a forma aparente, a forma real, o conteúdo aparente e o conteúdo real, através dos avanços tecnológicos e científicos do presente.

O método é, assim, pura abstração, e manuseio da forma, num movimento autônomo que a consciência capta como certeza na relação. A verdade é o instante – que a história prolonga – de por-se a cor, a matéria, o movimento, o espaço e o tempo, através da comunicação diversificada no aparato tecnológico.

Essa teoria do cotidiano supõe a objetividade como construída pelo trabalho criativo que indica possibilidades e probabilidades novas. A revolução contemporânea, no ritmo e na forma, avança em meio às sequelas do pretérito, que é presente dramático para a maioria da humanidade, que dele vai se apoderando. Assim, se o desenvolvimento é um processo sem fim, ele não é tudo. A objetividade analítica, que tudo vê, tudo observa, tudo registra, tudo opera, defronta-se com a questão da humanização do produto.

 

Objeto pensado, objeto dado

Na fetichização do mundo presente o ser é o objeto. Já se disse que, mesmo no âmbito do pensamento, é preciso dele expulsar a coisa.

Contudo, na contradição, o pensamento puro defronta-se com a sua própria forma, pois a forma é a objetividade do existir. Assim, o objeto pensado é o objeto dado, no próprio ato da reflexão, se se quer ultrapassar a consciência epifenomênica, naquilo que a abstração a transcende.

Então, o espaço transpassa o objeto, o envolve, apresenta-se como campo de forças e é inerente a ele, que o transporta consigo, modalidades da especialidade de que o espaço em geral é ainda fenômeno desconhecido da ciência, em que pese a ilusão promovida pela gravitação.

Há, pois, que tomar como ponto de início e de retorno a subtotalidade proposta pela contingência do ser humano que apenas inicia a aventura de desvendar o universo, de que é demiurgo e criatura.

O devir passa por ter a si próprio como sujeito, como complemento da liberdade social. Isso significa dominar o pensado e o dado; significa libertar-se das determinações – como esforço mais do que de simples abstração – e, ainda, propor-se o além da sobredeterminação, instante em que o metafísico ganha sentido. Porque, apreender o metafísico é alcançar a humanização de si mesmo, sem o que o ser continua exterior ao sujeito.

 

Sujeito e interiorização

A consciência põe-se, então, como extra-territorialidade. Por absurdo que pareça, há que lutar contra a inércia do pensamento concreto, pois nada é mais abstrato que o concreto, como sensação ou representação, apesar de serem o ponto de partida da materialidade, materialidade que sufoca o sujeito como necessidades impostas pela praxis da ciência e da tecnologia atuais.

Mas, não se trata de rejeitar a ciência e a tecnologia, mas de desvendar o significado do novo que elas elaboram sem teleologia, isto é, sem a interiorização supra-sensível que a elitrição permite.

Interiorizar, aqui, é abstrair o concreto como ponto de partida, libertá-lo de suas inerências materiais, para chegar, primeiro, ao estado puro da coisa, destituída de suas determinações, pois o pressuposto é o vazio.

Defrontando-se, assim, com o nada, que é o conteúdo primeiro da consciência, como se viu antes, o mundo da inter-subjetividade pode por-se plenamente e, por meio da contradição entre a idéia abstrata e a idéia concreta, colocar-se como movimento.

Ora, colocar-se em movimento a inter-subjetividade é evidenciar a relacionalidade.

 

Discussão do projeto e da programação

Desde o momento em que se dá a oposição entre a idéia abstrata e a idéia concreta a discussão torna-se possível.

Não que o movimento seja tudo. Como se disse antes, no âmbito da subtotalidade o próprio movimento é contingente e depende de determinações e indeterminações que se efetivam como parte do próprio mover-se, não sendo exteriores a ele. Como já se disse, move-se por si, como sujeito e objeto, contido na abstração.

Ora, abstrair-se é uma modalidade de por-se o trabalho.

 

A objetividade como simultaneidade: o trabalho

Tanto o capital, como o trabalho, postulam o mundo como objeto. O sujeito é, assim, posto atividade: como coisa e como ato, separado do pensar a coisa e o ato. Estes são, então, prisioneiros do artefato e do fazer, que têm como finalidade o produto onde se defrontam reificados.

A objetividade aí prende-se à certeza do perceber-se: medir, contar, pesar. A divisão do trabalho implica na multiplicação das coisas e do fazer. Mas, como organizar a fragmentação? Através de operações significativas para o perceber.

A tecnologia desempenha aí o papel condutor. Ela deve compor e recompor continuamente a totalidade que ela própria desfaz. Mas, ela deve lidar com a determinação e a indeterminação. A máquina moderna tem condições de opor-se à contra-finalidade.

A automação implica cada vez mais a eliminação do erro. Então, quando este ocorre, pode escapar ao controle de seus efeitos.

Novamente a tecnologia é posta em ação.

O mundo regulado que decorre disso é a estratificação das desigualdades e das diferenças, numa superfície aparentemente isotrópica.

Não só a consciência humana, mas também o comportamento, começam a ser moldados com o objetivo de produzir no máximo a percepção da utilidade.

A objetividade não se pode pôr antes, mas só se dá como resultado, num processo em que ela é idéia abstrata ou concreta, no próprio momento em que ocorre. À coisificação do produto e da mente, opõe-se, como sobredeterminação, a idealização do artefato e do ato. Abstrair é, assim, descoisificar, como ponto de partida do trabalho.

Repondo-se o nada, põe-se novamente a subjetividade.

 

A subjetividade: do significado estético ao significado memorial

“Ver” significa, antes do mais, perceber a forma. Esta, em sua modalidade aparente apresenta-se como fenômeno estético, que o olhar pode decifrar.

Mas o “ver” é carregado de subjetividade.

Antes, a imagem é abstrata, embora se possa supor nela o tempo e o espaço. As cores metamorfoseiam o real que é então hipótese idealizada. Ultrapassar essa aparência importa vivenciar o lugar. Daí, o projeto. Mas, o projeto como vontade de realização que depende da ação. O cotidiano real da imagem depende, pois, do ato. Do vivenciar.

Depois, a distância do objeto vivenciado transforma-se em algo que a memória organiza.

O “pôster” ali está. Mas, agora, depois da viagem que o vivenciou, ele está impregnado de sentimentos e sensações que a retina reteu, transformando-se em nova imagem estética.

Mas, agora, a imagem ganhou concretude.

“Eu estive lá” tem o significado diverso do da fotografia que pela primeira vez se vê. O lugar torna-se um prolongamento do corpo e da mente.

Contudo, há que distinguir a imagem abstrata, a experiência e a interiorização desta. A objetividade perpassa essas três dimensões. A memória não é um instantâneo porque está pejada de história.

O que, no começo, era uma intenção, motivada por um acontecimento fortuito e emotivo – “ganhei um pôster de Firenza, fotografia do Palazzo Vecchio” – agora, depois do impacto estético, e após a viagem ao lugar, transforma-se em um significado memorial.

A interiorização do objeto, via experiência, transforma o objeto que, agora, é subje-tividade-objetivada. E a motivação para a ação, possui, então, um componente novo: algo mudou, pois, o objeto e o sujeito não são mais agora os mesmos.

O espaço e o tempo não se apresentam separados.

 

A mediação do espaço-tempo vivido

A idéia penetrou a história e dela retornou como idéia. Mas, inicialmente como abstração – que liberta o sonho e a fantasia -, depois, como concretude, como sensação – que acorrenta os pés no mundo da reificação. Como ultrapassar a petrificação do dado transcorrido?

Fazer isso é penetrar no mistério da História. Mas, não só a história do acontecimento, mas a história do lugar. Então, a história do lugar confunde-se com o lugar da história, na experiência que se tornou dado transcorrido.

Mas, a memória alerta para o presente da imagem. As determinações e indeterminações do passado tornam-se motivações do presente. E o presente aglutina o passado e o futuro na vivência do fluxo vivido.

Importa avançar em direção ao desconhecido.

O desconhecido é a despetrificação do espaço-tempo vivido.

Há que recuperar a visão da aparência, que denota o ser e com ele a forma.

Ora, recuperar a visão da aparência é o “ver” carregado de subjetividade.

O espaço-tempo vivido é, assim, apenas uma mediação. Há que ultrapassar seu significado empírico, para a idéia repor-se como idéia, ou seja, como abstração.

Mas, agora, como abstração norteada pelo raciocínio.

 

Razão e racionalidade

A razão pode impor-se como idéia abstrata. Portanto, como teoria. Mas, como teoria ao nível da metafísica. O erro do racionalismo, por isso, consiste, não obstante, em postular apenas o objeto. Ao fazê-lo não estabelece diferença entre razão e racionalidade. A primeira tem uma essência ontológica, a segunda uma essência lógica. Mas, como separá-las no ato da existência? No momento em que, ante o “ver”, se põe o fenômeno?

Na contemplação (a observação) o estético é momento do “ver” a forma que, de qualquer modo, já é espaço-tempo vivido. A paisagem possui uma legalidade como dado, que o “ver” diferencia ou não. E há que considerar a velocidade. E, com ela, os fragmentos. Por isso, a paisagem não é o todo, mas pedaços do todo que a reificação do olhar gasto não identifica.

A tecnologia, como instrumento da racionalidade, ganha assim o papel de demiurgo da alienação total de nossos dias. O técnico garante a unidade do funcionamento, mas em prejuízo da razão. Mas, não a razão como um dado, atributo dos filósofos. A razão como a teleologia em movimento, ou melhor, como o movimento da teleologia. Isso implica na ruptura. Não aquela objetiva, independente da vontade, mas a outra, aquela que depende do sujeito e que, levadas em conta as mediações, dirige o processo. Nesse momento, a racionalidade submete-se à razão. Seria melhor dizer, às razões: comunicativa, instrumental, seletiva, etc.

A idéia concreta impõe-se cada vez que a idéia abstrata perde a razão, momento em que se põe como início da indeterminação, do nada.

Ora, o nada é a transcendência.

 

Da transcendência à operacionalização

Transcender é ir além. O além é o ainda não posto que, contudo, está contido já na pré-ideação. Mas, como aleatoriedade. Entretanto, a causalidade não está ausente, porque imanente ao ser. A indeterminação significa apenas que o inconsciente, individual ou coletivo, não tornou-se consciência para si. A liberdade surge, então, incondicionada, na esfera dos possíveis. Se ser livre é ter a si próprio como sujeito, este ato defronta-se com a liberdade dos outros, também incondicionada, no caminho da teleologia. Se o movimento é objetivo, ele é uma manifestação do nada sem o sujeito.

Mas, o sujeito, na transcendência, é a psiquê, que a cultura socializa. Entretanto, o que vem antes da cultura? Põe-se, assim, a natureza primeira, que contém já a possibilidade do social. No entanto, apenas como incerteza que, no seu em si, ultrapassa a ausência de saída, sem pôr-se, apesar disso, como teleologia. Adentra-se, desse modo,

o mistério do natural em si, que é também uma modalidade de transcendência. Não obstante, essa transcendência tem um sentido de causalidade natural. De onde vem essa causalidade? A pergunta se perde nas origens do universo, onde repousa a eternidade do movimento, do tempo, do espaço, da matéria.

Do ponto de vista da transcendência, a história humana apenas está começando. Mas, a transcendência é também transcendência na consciência do sujeito. Para este, o tempo e o espaço dados, conhecidos, parecem ser já uma eternidade, que contém o sagrado e o profano, mesmo que secularizados.

A operacionalização da transcendência possui muitas respostas já dadas. Elas buscam captar o real, transformando-o em significado, nos sistemas, nas leis, nas probabilidades, etc. É preciso, então, reter que o método é o modo, como o funcionamento é o movimento. Ao mesmo tempo que se tornam contingentes, assim como o espaço, são a manifestação da razão e das racionalidade possíveis como práxis e resultado.

 

Práxis e resultado: metalinguagem e metateoria

A formalização do pressuposto inicial chega ao seu fim, com a consciência reflexa. O ato da abstração é o trabalho humano revestido de sua fase superior. Ultrapassá-lo significa refletir o reflexo. Daí, que o resultado é a metalinguagem e também a meta-teoria.

Mas, atenção!

A metalinguagem e a metateoria só são possíveis como objetivação da abstração. Mas uma abstração como concretude da idéia abstrata.

É o reino da teoria. O próprio método, neste limite, transforma-se em teoria e linguagem do método. Por isso, tomar o método como ponto de partida deve levar em conta seus pressupostos.

Nesta parte procurou-se alcançar sua explicitação ôntica.

Trata-se, agora, de sua exposição ontológica-analítica.

 

Para pensar o método

Pensar o método é ter a razão como pressuposto e, com esta, a abstração. A abstração reaparece aqui, não mais como o nada, mas como ponto de partida do raciocínio. Como idéia concreta.

Então, o objeto deve refletir-se na consciência como idéia ordenada no processo de exposição ontológico-analítica da investigação codificada.

Não obstante, trata-se do objeto teórico, que a sobre-reflexão detecta, através da hipótese e da consideração ôntica.

 

Em busca do espaço perdido

A ideologia do cotidiano se forma na vivência do espaço e do tempo que é, antes de tudo, o “ver”. Mas, trata-se de um ver com os olhos da teoria, vale dizer, a visão é interior, porque já carregada de significados. A objetificação dos significados transforma o ver interior no olhar que seleciona, classifica, identifica, etc.

Perceber o espaço é dar-se conta do opaco, do transparente, do translúcido, do contorno, dos ângulos, da dimensão, da distância, do tamanho, do contínuo, do limitado, do obstáculo, da ausência de obstáculos, etc. No entanto, pensar o espaço defronta-se com a espacialidade, da qual tudo o que se disse é aparência. Mas, a espacialidade não é apenas dos objetos. Há o espaço do corpo e seus prolongamentos. Há também o espaço da mente. Como o tempo e o movimento, o espaço é fundante do existir, e, portanto, do pensar. Sendo assim, ele é algo físico, uma “coisa”, e é algo social, algo criado pelo trabalho. O primeiro, precede a existência humana; o segundo, nasce da valorização do natural como fonte de vida. Mas, essa constatação é resultado, desde logo, do pensar o espaço. Pensá-lo como dado e pensá-lo como artefato que a mente projeta.

O espaço do cotidiano é, em primeiro lugar, o espaço da gravitação, que dá origem ao vertical, ao horizontal, ao plano, ao declive, ao aclive, à postura ereta, ao equilíbrio, ao desequilíbrio. Esse espaço é trabalhado pela cultura. Esta o percebe como agradável, desagradável, onírico, pesado, leve, base, conteúdo, atributo, mágico, feio, bonito, vazio, repleto, ocupado, desocupado, livre, aberto, etc.

O espaço é o real e o imaginário.

 

A aparência do real

Não é possível separar o pensar da idéia, porque esta é seu conteúdo. O ver social relaciona a idéia à coisa. Ao fazê-lo, pode perder-se na reificação, ao não perceber-se como sujeito que constrói o significado do objeto realizado pelo trabalho manual ou maquinofaturado. Se o objeto fabricado oprime, ele pode ser rejeitado, num primeiro momento. Como disse o operário no filme famoso: “Quem fabrica estas porcarias?”.

Ora, o inútil é também o não-trabalho. Assim como o lúdico e o gratuito. A ilusão é um componente da teleologia. Sem ela não poderia pôr-se a utopia. A diversão é um momento da humanização, assim como o jogo. Eles prenunciam a sociedade rica e igualitária, cuja realização parece sempre ao alcance. A visão de futuro dá a perspectiva que falta ao cotidiano entendido como rotina gasta, sem motivação.

A poesia e o humor contêm o germe da sociabilidade, que a crítica realiza como liberdade possível.

A aparência é, assim, o dado primeiro. Mas, como o “ver”.

Desse modo, o ponto de partida do método é, desde logo, a teoria implícita que, num primeiro momento, reconhece a forma. Que ele próprio expressa-se como momento de constituição da forma.

No mundo dos fenômenos o aparente é o real apenas como o objeto separado de seu significado para o sujeito, ou seja, como a forma e o conteúdo destituídos de interesse, qualquer que seja este. Ora, o verdadeiro interesse humano é o constituir-se como humanidade, que o domínio da necessidade torna possível. Por isso, dar-se conta dos outros é reconhecer nos artefatos, que auxiliam a vida, o seu ser social. A relação com os objetos da cultura torna-se uma relação que ultrapassa, então, a aparência.

 

A riqueza da diversidade e da multiplicidade

O mundo da natureza é plural na homogeneidade das espécies. À diversidade e multiplicidade naturais sobrepõem-se a diversidade e a multiplicidade humanas. Essa sobreposição é uma ilusão se o humano não se reconhece como prolongamento da natureza. Um seu produto. Mas o ser humano criando a cultura ultrapassa a atividade natural, pois pode colocá-la a seu serviço, desenvolvendo uma grande diversidade e multiplicidade de artefatos que não existem na natureza em estado livre. Além disso, o mundo da cultura propõe-se como libertação do trabalho enquanto fadiga e destino.

Contudo, isso só é possível com o desvendar dos mistérios da natureza, através da ciência e da tecnologia. Significa compreender o significado do singular, do particular e do universal em suas relações.

A geografia do passado esmerou-se na identificação e descrição do singular, do que é único e diverso na multiplicidade. Ela relacionava o singular e o universal. Nem sempre realizou a mediação da particularidade. Ora, é o particular que dá o significado concreto à teoria. Por isso, se a riqueza e a multiplicidade do real constituíram o ponto de partida da geografia, isso ocorreu porque os geógrafos davam importância às diferenças. Mas, viam-nas apenas como paisagem, principalmente paisagem natural e o que denominavam de paisagem humanizada.

Esse trabalho de geografia não pode e não deve ser desprezado. No levantamento do mundo empírico os geógrafos não só se destacavam com originalidade, mas também criaram conhecimento factual. Ora, o empírico em si é destituído de significado teórico, a não ser pela via da intuição.

 

Percepção da espacialidade

O “ver” geográfico configura-se principalmente como perceber o espaço em todas as suas formas e relações. Mas o modo de manifestação do espaço é a espacialidade, um seu atributo. Esta, é natural e humana.

Não obstante, a espacialidade pode ser confundida com sua aparência fenomênica. Só a abstração, como idéia, pode pensá-la como categoria e conceito. Posto isto, é possível o acesso à teoria.

A importância da percepção, embora seja a orientadora do comportamento humano, reside em seu papel intermediário – em geografia – entre o fenômeno e seu entendimento teórico. Não é preciso o auxílio de outras ciências – como se pensou no passado – para realizar esse entendimento. O espacial possui sua própria ontologia específica.

Cabe revelá-la.

 

O ser revelado

As geografias crítica e radical –como se convencionou chamá-las – deram um grande impulso na direção de uma ontologia espacial. Não obstante, têm encontrado dificuldade de lidar com o tempo e o movimento.

O tempo especificamente geográfico não é o histórico. Tudo se passa como se o geógrafo fosse incapaz de dar conta do movimento da natureza e da sociedade sem recorrer aos historiadores. um tempo de duração que se refere à idade dos artefatos da cultura e um tempo de percurso, que não é histórico.

Uma coisa é a história do povoamento e das migrações, outra é considerá-los como um movimento no espaço. Ora, é este que interessa ao geógrafo, enquanto especialista. E, para isso, é preciso conhecer também a geografia da natureza. Assim como o conhecimento dos espaços organizados.

“Organização do espaço”, “produção do espaço”, “formação territorial”, “estudo do espaço produzido”, etc., são proposições que visam revelar o ser geográfico, con-seguindo-o, mas como abordagens parciais.

O problema, não resolvido, e mal resolvido pelos geógrafos do passado, é o de limitar-se ao visível empiricamente. O problema, não resolvido ou mal resolvido, pelas geografias crítica e radical é, de um lado, rejeitar a pesquisa empírica como um momento do método, e, de outro, rejeitar a investigação concomitante, como procedimento mental. Separar as “idéias” e os “fatos” não conduz a nada, a não ser à repetição de procedimentos que a vida demonstra, mais cedo ou mais tarde, insatisfatórios.

Contudo, as geografias crítica e radical realizaram uma revolução no contexto deste conhecimento.

Mas defrontam-se com seu significado produtivo.

 

A decodificação da informação espacial

As geografias teorética e quantitativa, surgidas antes do que se acabou de referir, por seu caráter pragmático, apresentam-se aparentemente como trabalho produtivo. E, em alguns casos, o conseguem. Mas, apenas nos limites do conhecimento útil que o capital manipula.

Criou-se, não obstante, uma tecnologia que tem aplicação industrial. O problema, então, não reside no desenvolvimento do conhecimento útil, mas sim no destino social desse conhecimento. Buscando, talvez, na sua crítica ao passado, e na sua crítica ao presente, produzir trabalho produtivo, nem sempre consegue ultrapassar os requisitos apenas do aumento da produtividade.

O modelo, destituído de seus aspectos formalísticos abstratos, pode ser útil ao geógrafo profissional, como tecnologia que é. E o problema não é a técnica, mas a quem ela serve, numa sociedade desigual.

Têm surgido tentativas de “modelos” não formais. Esses modelos são representações formalizadas de sistemas de relações reais que procuram decodificar a informação espacial. E eles apreendem a particularidade concreta.

 

A representação pensada

A ênfase dada nesta parte ao espaço não deve esquecer, ou fazer esquecer, o significado da representação. Ou seja, a representação, ou a imagem decodificada, é um modo de apreender o real, o que só é possível através do pensamento teórico. Por isso, pensar a representação é dar concretude à idéias; é transformá-la, de dado exterior, sensível, em elemento interno ao pensamento.

O problema do geógrafo tem sido o de desenvolver seu trabalho principalmente através da intuição, por meio da indução amplificadora, nos melhores casos, e através da indução aristotélica, nos piores.

Nos dois casos, chega-se ao mapa como resultado ou, quando não, como ilustração. Só a cartografia informada pela teoria pode ser ponto de partida da investigação teórica. Mas esta não deve prescindir do empírico, ou seja, as cartografias temática e matemática. Entretanto, é bom lembrar que a cartografia não é geografia, embora a ela venha sempre associada.

 

A forma do movimento

O resultado do trabalho do geógrafo é uma forma, no sentido de modo. Só assim é possível considerá-la em movimento.

O movimento da forma é seu existir no tempo. Daí, sua história. No entanto, o geógrafo faz abstração da historiografia da forma, considerando-a como particularidade espacial. O que importa é seu existir aqui ou ali, tendo um significado teórico em cada lugar, como área, região, ou território, com suas populações presentes. Como já se disse: “o espaço é uma acumulação de tempos”. Essa acumulação é diversa é múltipla. Cabe captar sua lógica, ou seja, seu sentido.

Esse trabalho é um procedimento mental.

Cabe por isso, compreender, ou melhor, apreender a consciência da forma e os usos que dela faz a população. Esta, valoriza-a diferentemente. Essa valorização do espaço tem relação com o espaço vivido enquanto memória da forma. É assim que a geografia é também uma ciência da sociedade, enquanto consciência do espaço.

 

O espaço reencontrado

Com exceção dos geógrafos, dos arquitetos, dos engenheiros, dos paisagistas, dos urbanistas, dos planejadores, e, recentemente, dos economistas, entre outros, muitas pessoas não conseguem pensar o real a partir da categoria do espaço. Quando muito pensam o lugar.

No entanto, não é o lugar em si que ganhou importância recentemente, mas o espaço. O espaço era espaço de ocorrência e de manifestação apenas. Agora, o espaço passou a ganhar importância em si, como produto e como produção, ou seja, como valor de uso e de troca e como valor a ser produzido.

Mas isso é apenas o ponto inicial em que se pode falar em sua teoria. Muitas questões estão em aberto.

Nesta parte tentou-se apenas a explicitação ontológico-analítica do método, referido à geografia.

A conclusão não fecha pois este texto.

 

CONCLUSÃO

De certo modo, o teórico é um cego. Apesar de possuir a visão, o seu ver diferen-cia-se de seu olhar. E também do enxergar.

Mas a teoria não deve ser um fim em si mesma. Ela deve orientar o trabalho.

Se ela é uma grandiosa elaboração do cérebro humano, ela está, ou deve estar, voltada para a solução dos problemas com que se defrontam as pessoas no seu cotidiano.

Em outras palavras, o conhecimento deve ser útil.

Aqui tentou-se uma aproximação em relação ao método. Não no sentido usual (poder-se-ia argumentar que este é um trabalho de metodologia e não de consideração de método), mas com o significado que o método tinha no século XIX, ou seja, um procedimento mental que tem na ontologia o seu núcleo.

No entanto, o procedimento da redação não foi recorrente, como já se disse, mas tratou-se de desdobrar o argumento segundo uma linha de raciocínio, segundo a qual partiu-se de uma concepção de conjunto (a sinopse), que implicou num desdobramento seqüencial segundo os requisitos da proposição inicial.

Embora parte de um projeto, já explicitado, o impulso para sua realização partiu da decisão de escrever algo sobre a abstração. Contudo, a redação deu-se sempre “a posteriori”, não sendo o procedimento nem dedutivo, nem indutivo, embora a indução e a dedução tenham desempenhado o seu papel.

Por isso, esta conclusão parece na verdade uma informação introdutória.

Que ela seja o ponto de partida do tema proposto.

 

 

Referências

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