Do meio natural ao
meio técnico científico informacional*
Milton Santos
O meio natural (1)
Quando tudo era meio natural, o homem
escolhia da natureza aquelas suas partes ou aspectos considerados fundamentais
ao exercício da vida, valorizando, diferentemente, segundo os lugares e as
culturas, essas condições naturais que constituíam a base material da
existência do grupo.
Esse meio natural generalizado era
utilizado pelo homem sem grandes transformações. As técnicas e o trabalho se
casavam com as dádivas da natureza, com a qual se relacionavam sem outra
mediação.
O que alguns consideram como período
pré-técnico exclui uma definição restritiva. As transformações impostas às
coisas naturais já eram técnicas, entre as quais a domesticação de plantas e
animais aparece como um momento marcante: o homem mudando a Natureza,
impondo-lhe leis. A isso também se chama técnica.
Nesse período, os sistemas técnicos não
tinham existência autônoma. Sua simbiose com a natureza resultante era total
(G. Berger, 1964, p. 231; P. George, 1974, pp. 24 e 26) e podemos dizer,
talvez, que o possibilismo da criação mergulhava no
determinismo do funcionamento.(2)
As motivações de uso eram, sobretudo, locais, ainda que o papel do intercâmbio
nas determinações sociais pudesse ser crescente. Assim, a sociedade local era,
ao mesmo tempo, criadora das técnicas utilizadas, comandante dos tempos sociais
e dos limites de sua utilização.
A harmonia socioespacial
assim estabelecida era, desse modo, respeitosa da
natureza herdada, no processo de criação de uma nova natureza. Produzindo-a, a
sociedade territorial produzia, também, uma série de comportamentos, cuja razão
é a preservação e a continuidade do meio de vida. Exemplo disso são, entre outros, o pousio, a
rotação de terras, a agricultura itinerante, que constituem, ao mesmo tempo,
regras sociais e regras territoriais, tendentes a conciliar o uso e a
"conservação" da natureza: para que ela possa ser, outra vez,
utilizada.
Esses sistemas técnicos sem objetos
técnicos não eram, pois, agressivos, pelo fato de serem indissolúveis em
relação à Natureza que, em sua operação, ajudavam a reconstituir.
O meio
técnico
O período técnico vê a emergência do
espaço mecanizado. Os objetos que formam o meio não são, apenas, objetos
culturais; eles são culturais e técnicos, ao mesmo tempo. Quanto ao espaço, o
componente material é crescentemente formado do "natural" e do "artificial".
Mas o número e a qualidade de artefatos varia. As
áreas, os espaços, as regiões, os países passam a se distinguir em função da
extensão e da densidade da substituição, neles, dos objetos naturais e dos
objetos culturais, por objetos técnicos
(3).
Os objetos técnicos, maquínicos, juntam à razão natural sua própria razão, uma
lógica instrumental que desafia as lógicas naturais, criando, nos lugares
atingidos, mistos ou híbridos conflitivos. Os objetos
técnicos e o espaço maquinizado são locus de ações "superiores", graças à sua
superposição triunfante às forças naturais. Tais ações são, também,
consideradas superiores pela crença de que ao homem atribuem novos poderes — o
maior dos quais é a prerrogativa de enfrentar a Natureza, natural ou já
socializada, vinda do período anterior, com instrumentos que já não são
prolongamento do seu corpo, mas que representam prolongamentos do território,
verdadeiras próteses. Utilizando novos materiais e transgredindo a distância, o
homem começa a fabricar um tempo novo, no trabalho, no intercâmbio, no lar. Os
tempos sociais tendem a se superpor e contrapor aos tempos naturais.
O componente internacional da divisão
do trabalho tende a aumentar exponencialmente. Assim, as motivações de uso dos
sistemas técnicos são crescentemente estranhas às lógicas locais e, mesmo,
nacionais; e a importância da troca na sobrevivência do grupo também cresce.
Como o êxito, nesse processo de comércio, depende, em grande parte, da presença
de sistemas técnicos eficazes, estes acabam por ser cada vez mais presentes. A
razão do comércio, e não a razão da natureza, é que preside à sua instalação.
Em outras palavras, sua presença torna-se crescentemente indiferente às
condições preexistentes. A poluição e outras ofensas ambientais ainda não
tinham esse nome, mas já são largamente notadas — e causticadas — no século
XIX, nas grandes cidades inglesas e continentais. E a própria chegada ao campo
das estradas de ferro suscita protesto. A reação antimaquinista,
protagonizada pelos diversos ludismos, antecipa a
batalha atual dos ambientalistas. Esse era, então, o combate social contra os
miasmas urbanos.
O fenômeno, porém, era limitado. Eram
poucos os países e regiões em que o progresso técnico podia instalar-se. E,
mesmo nestes poucos, os sistemas técnicos vigentes eram geograficamente
circunscritos, de modo que tanto seus efeitos estavam longe de ser generalizados, como a visão desses efeitos era, igualmente,
limitada.
O meio técnico-científico-informacional
O terceiro período começa praticamente
após a segunda guerra mundial e, sua afirmação, incluindo os países de terceiro
mundo, vai realmente dar-se nos anos 70. É a fase a que R. Richta
(1968) chamou de período técnico-científico, e que se distingue dos anteriores,
pelo fato da profunda interação da ciência e da técnica, a tal ponto que certos
autores preferem falar de tecnociência para realçar a
inseparabilidade atual dos dois conceitos e das duas práticas.
Essa união entre técnica e ciência vai
dar-se sob a égide do mercado. E o mercado, graças exatamente à ciência e à
técnica, torna-se um mercado global. A idéia de ciência, a idéia de tecnologia
e a idéia de mercado global devem ser encaradas conjuntamente e desse modo
podem oferecer uma nova interpretação à questão ecológica, já que as mudanças
que ocorrem na natureza também se subordinam a essa lógica.
Neste período, os objetos técnicos
tendem a ser ao mesmo tempo técnicos e informacionais,
já que, graças à extrema intencionalidade de sua produção e de sua localização,
eles já surgem como informação; e, na verdade, a energia principal de seu
funcionamento é também a informação. Já hoje, quando nos referimos às
manifestações geográficas decorrentes dos novos progressos, não é mais de meio
técnico que se trata. Estamos diante da produção de algo novo, a que estamos
chamando de meio técnico-científico-informacional.
Da mesma forma como participam da
criação de novos processos vitais e da produção de novas espécies (animais e
vegetais), a ciência e a tecnologia, junto com a informação, estão na própria
base da produção, da utilização e do funcionamento do espaço e tendem a
constituir o seu substrato. Antes, eram apenas as grandes
cidades que se apresentavam como o império da técnica, objeto de modificações,
supressões, acréscimos, cada vez mais sofisticados e mais carregados de
artifício. Esse mundo artificial inclui, hoje, o mundo rural. Segundo G.
Dorfles (1976, p. 39), este é marcado pela presença
de "materiais plásticos, fertilizantes, colorantes, inexistentes na
natureza, e a respeito dos quais, de um ponto de vista organolético,
táctil, cromático, temos a nítida sensação de que não pertencem ao mundo
natural". Num verbete da Encyclopédie Universalia 1981, dedicado aos camponeses franceses,
Bernard Kayser mostra como os seus investimentos em
bens de produção — terra, edifícios, máquinas, fertilizantes, pesticidas etc. —
passaram, recentemente, de 20 para 50 por cento.
Cria-se um verdadeiro tecnocosmo (J. Prades, 1992, p.
177), uma situação em que a natureza natural, onde ela ainda existe, tende a
recuar, às vezes brutalmente. Segundo Ernest Gellner
(1989), "a natureza deixou de ser uma parte significativa do nosso meio
ambiente". A idéia de um meio artificial, avançada por A. Labriola em 1896 (em seu estudo intitulado "Del Materalismo Storico") faz-se
uma evidência. A técnica, produzindo um espaço cada vez mais denso, no dizer de
N. Rotenstreich (1985, p. 71), tranforma-se
no meio de existência de boa parte da humanidade.
Podemos então falar de uma cientificização e de uma tecnicização
da paisagem. Por outro lado, a informação não apenas está presente nas coisas,
nos objetos técnicos, que formam o espaço, como ela é necessária à ação
realizada sobre essas coisas. A informação é o vetor fundamental do processo
social e os territórios são, desse modo, equipados
para facilitar a sua circulação. Pode-se falar, como
S. Gertel (1993), de inevitabilidade do "nexo
informacional".
Os espaços assim requalificados atendem sobretudo aos interesses dos atores hegemônicos da
economia, da cultura e da política e são incorporados plenamente às novas
correntes mundiais. O meio técnico-científico-informacional
é a cara geográfica da globalização.
A diferença, ante as formas anteriores
do meio geográfico, vem da lógica global que acaba por se impor a todos os
territórios e a cada território como um todo. O espaço "no qual o homem
sobrevive há mais de cinqüenta mil anos […] tende a funcionar como uma
unidade" (J. Bosque Maurel, 1994, p. 40). Pelo
fato de ser técnico-científico-informacional, o meio
geográfico tende a ser universal. Mesmo onde se manifesta pontualmente, ele
assegura o funcionamento dos processos encadeados a que se está chamando de
globalização.
Como em todas as épocas, o novo não é
difundido de maneira generalizada e total. Mas os objetos técnico-informacionais
conhecem uma difusão mais generalizada e mais rápida do que as precedentes
famílias de objetos. Por outro lado, sua presença, ainda que pontual,
marca a totalidade do espaço. É por isso que estamos considerando o
espaço geográfico do mundo atual como um meio técnico-científico-informacional
(Santos, 1985 e 1994).
Quanto mais "tecnicamente"
contemporâneos são os objetos, mais eles se subordinam às lógicas globais. Agora,
torna-se mais nítida a associação entre objetos modernos e atores hegemônicos.
Na realidade, ambos são os responsáveis principais no atual processo de
globalização.
Ao mesmo tempo em que aumenta a importância dos capitais fixos (estradas,
pontes, silos, terra arada etc.) e dos capitais constantes (maquinário,
veículos, sementes especializadas, fertilizantes, pesticidas etc.) aumenta
também a necessidade de movimento, crescendo o número e a importância dos
fluxos, também financeiros, e dando um relevo especial à vida de relações.
Rompem-se os equilíbrios preexistentes
e novos equilíbrios mais fugazes se impõem: do ponto de vista da quantidade e
da qualidade da população e do emprego, dos capitais utilizados, das formas de
organização, das relações sociais etc. Conseqüência mais estritamente
geográfica, diminui a arena da produção, enquanto a
respectiva área se amplia. Restringe-se o espaço reservado ao processo direto
da produção, enquanto se alarga o espaço das outras instâncias da produção,
circulação, distribuição e consumo. Essa redução da área necessária à produção
das mesmas quantidades havia sido prevista por Marx, que a esse fenômeno chamou
de "redução da arena". Graças aos avanços da biotecnologia, da
química, da organização, é possível produzir muito mais, por unidade de tempo e
de superfície.
O processo de especialização, criando
áreas separadas onde a produção de certos produtos é mais vantajosa, aumenta a
necessidade de intercâmbio, que agora se vai dar em espaços mais vastos,
fenômeno a que o mesmo Marx intitulou "ampliação da área".
Como se produzem, cada vez mais,
valores de troca, a especialização não tarda a ser seguida pela necessidade de
mais circulação. O papel desta, na transformação da produção e do espaço,
torna-se fundamental. Uma de suas conseqüências é, exatamente, o aprofundamento
das especializações produtivas, tendentes a convocar, outra vez, mais
circulação. (4)
Esse círculo vicioso — ou virtuoso? — depende da fluidez das redes e da
flexibilidade dos regulamentos.
As possibilidades, técnicas e
organizacionais, de transferir à distância produtos e ordens, faz com que essas especializações produtivas sejam
solidárias no nível mundial. Alguns lugares tendem a tornar-se especializados,
no campo como na cidade, e essa especialização se deve mais às condições
técnicas e sociais que aos recursos naturais. A nova fruticultura no vale médio
do rio Negro provoca o que se chamou de big-bang de
inversões em Chimpay, na Patagônia
norte argentina (Ana M. Correa et al, 1993, p. 6).
O conhecimento como
recurso
A expressão meio técnico-científico
pode, também, ser tomada em outra acepção talvez mais
específica, se levarmos em conta que, nos dias atuais, a técnica e a
ciência presentearam o homem com a capacidade de acompanhar o movimento da
natureza, graças aos progressos da teledeteção e de
outras técnicas de apreensão dos fenômenos que ocorrem na superfície da terra.
As fotografias por satélite retratam a
face do planeta em intervalos regulares, permitindo apreciar, de modo ritmado,
a evolução das situações e, em muitos casos, até mesmo imaginar a sucessão dos
eventos em períodos futuros. Os radares meteorológicos, cada vez mais poderosos
e precisos, são colaboradores preciosos nessa tarefa, porque permitem que as
previsões se realizem com intervalos ainda menores. Cientistas puros e
aplicados valem-se desses instrumentos de acompanhamento e previsão, para
aperfeiçoar o conhecimento das leis da natureza física, antever o respectivo
comportamento e, de posse dessas preciosas informações, alcançar
uma implementação conseqüente das atividades econômicas e sociais. As áreas em
que tal instrumentação é disponível podem permitir aos seus usuários um maior
grau de certeza e sucesso na realização de operações, sabido que, em muitos
casos, na agricultura e na indústria, certas etapas do processo produtivo
alcançam maior rentabilidade, quando empreendidas em condições meteorológicas
favoráveis. A preparação das terras, a sementeira ou o plantio, a utilização de adubos ou de fungicidas podem ter mais ou
menos eficácia segundo as condições de tempo em que são feitas. Tudo isso tende
a favorecer os empresários, uma vez que tenham prévio conhecimento das
condições meteorológicas em que cada fração do trabalho e cada fração de
capital serão utilizadas.
Pode-se, de um modo geral, dizer que as
porções do território assim instrumentalizadas oferecem possibilidades mais
amplas de êxito que outras zonas igualmente dotadas de um ponto de vista
natural, mas que não dispõem desses recursos de conhecimento. Imaginando duas
regiões com as mesmas virtualidades físicas, aquela mais bem equipada
cientificamente será capaz de oferecer uma melhor relação entre investimento e
produto, graças ao uso just-in-time dos recursos materiais e humanos. Numa
região desprovida de meios para conhecer, antecipadamente, os movimentos da
natureza, a mobilização dos mesmos recursos técnicos, científicos, financeiros
e organizacionais obterá uma resposta comparativamente mais medíocre.
Tomemos o exemplo do radar
meteorológico da Universidade, em Bauru, no Estado de São Paulo, Brasil,
durante muito tempo o único existente no país. Seu raio de ação virtual é de
400 km, mas sua captação de sinais é economicamente eficaz num raio de 300 km.
Isto significa que as empresas que se encontram nesse perímetro — e podem,
desse modo, beneficiar-se de suas informações —, têm condições de operação
muito superiores às daquelas localizadas em outros lugares. As atividades que mais
se aproveitam das informações são ligadas à cana-de-açúcar e à laranja (D.
Elias, 1996). Tais informações são precisas mas
genéricas, cabendo a cada firma ou conjunto de empresas (é o caso das
Cooperativas) retrabalhar os dados obtidos, em função de objetivos específicos.
Uma nova dinâmica de diferenciação se
instala no território. Em primeiro lugar, distinguem-se zonas servidas pelos
meios de conhecimento e áreas desprovidas dessa vantagem. E dentro das próprias
áreas "conhecidas" as empresas se distinguirão pela sua maior ou
menor capacidade de utilização das informações. É possível imaginar que tal
seletividade espacial e socioeconômica conduza a mudanças rápidas na divisão
territorial do trabalho, com as firmas mais dotadas do ponto de vista técnico e
financeiro tendendo a buscar uma localização onde o lucro potencial será mais
forte, deixando o resto do território, ainda que com virtualidades naturais
semelhantes, a firmas menos potentes. O mesmo raciocínio conduz a admitir que,
numa mesma área assim instrumentalizada, a diferença de oportunidades entre
produtores tende a aumentar rápida e brutalmente, após a instalação dos novos
recursos técnico-científicos de conhecimento. Aliás, o rearranjo de atividades
e do respectivo poder econômico seria duplo: na escala da área
instrumentalizada e na da região de que tal área é uma parte privilegiada.
O conhecimento exerceria assim — e
fortemente — seu papel de recurso, participando do clássico processo pelo qual,
no sistema capitalista, os detentores de recursos competem vantajosamente com
os que deles não dispõem.
O espaço nacional da
economia internacional
Agora, os atores hegemônicos, armados
com uma informação adequada, servem-se de todas as
redes e se utilizam de todos os territórios. Eles preferem o espaço reticular,
mas sua influência alcança também os espaços banais mais escondidos.
Eis por que os territórios nacionais se
transformam num espaço nacional da economia internacional e os sistemas de
engenharia mais modernos, criados em cada país, são mais bem utilizados por
firmas transnacionais que pela própria sociedade nacional. Em tais condições, a
noção de territorialidade é posta em xeque e não falta quem fale em desterritorialização. (O. Ianni,
1992, p. 94; J. L. Margolin, 1991, p. 100) atribuindo-lhe
alguns significados extremos, como o da supressão do espaço pelo tempo (Virilio, 1984) ou o da emergência do que chamam
"não-lugar" (M. Augé, 1992). (5)
Segundo A. Mamigonian
(1994, p. 1), referindo-se aos E.U.A. e à América
Latina, a globalização "visa conseguir a abertura indiscriminada dos
mercados nacionais e assim a quebra da reserva de mercado, a
desindustrialização e a diminuição da soberania […]". Daí, também, a
freqüente menção de um espaço sem fronteiras (J. Ellul,
1977, p. 17; Y. Masuda, 1982, p. 90, e a um
"capitalismo sem fronteiras" (P. Ciccolella,
1993), onde as empresas multinacionais curto-circuitam
os Estados (R. Petrella, 1989, M. C. Andrade, 1994),
exercendo o que A. Paviani e N. Pires (1993, pp.
125-136) chamam de "gestão externa dos territórios".
Tal atuação das grandes empresas
"por cima dos Estados" permite pensar que "presentemente os
mercados estão triunfando sobre as políticas dos governos, enquanto o controle
do mercado está sendo apropriado pelas empresas que dispõem das tecnologias de
ponta" (Ph. Cooke, 1992, p. 205). A
globalização, diz P. Veltz (1993, p. 51), deve ser
entendida como "uma gestão global de múltiplas diferenciações territoriais".
Sob esse aspecto, os negócios governam
mais que os governos (E. Laszlo, 1992) e, com a
globalização da tecnologia e da economia, os Estados aparecem como servos das
corporações multinacionais (R. Petrella, 1989).
Nessas condições, lembram Warf (1989, p. 265) e C. A.
Michalet (1993, p. 19), o Estado não seria mais
necessário para gerir as transformações internacionais.
Verifica-se uma verdadeira "erosão da soberania nacional", conforme
realçado por H. I. Schiller (1986, pp. 21-34). Acreditar, todavia, que o Estado
se tornou desnecessário é um equívoco. Na realidade, a emergência de
organizações e firmas multinacionais realça o papel do Estado, tornado mais
indispensável do que antes (A. Giddens, 1984, p. 135,
H. Silver, 1992; G. Boismenu,
1993, p. 13, Groupe de Lisbonne,
1995).
"Se o capitalismo tem hoje dimensões internacional, multinacional, mundial, ele também
não perdeu sua dimensão nacional", diz M. Beaud
(1987, p. 50). Segundo Hisrt & Thompson (1992)
"não temos uma economia completamente globalizada, mas uma economia
internacional, cujas respostas são dadas pelas políticas nacionais". Para
Peter Dicken, 1994, pp. 103 e 146, que os cita,
"não apenas os Estados ainda são atores importantes, como têm a capacidade
de encorajar ou inibir a integração global ou nacionalmente responsável frente
aos desígnios das empresas transnacionais".
Assinalando essa passagem de uma
economia internacional para uma economia global, Savy
& Veltz (1993, p. 5) nos convidam "a
repensar a relação entre as entidades territoriais nacionais, as estratégias e
as organizações das empresas em via de mundialização".
Diversas soluções são aventadas, desde o reforço dos blocos regionais (P. Geiger, 1993, pp. 104-106, M. Arroyo, 1994, P. Ciccolella, 1994) à confederação de estados semi-autônomos
(B. Barber, 1992, p. 19). A necessidade de
intervenção nos setores estratégicos é evocada, com exemplos, por J. L. Whiteman (1990), a essencialidade do Estado para assegurar
o bem-estar social numa época de globalização é lembrada por J. Delcourt (1992) e a inelutabilidade
de uma resposta popular internacional prevista por S. Picciotto
(1991), o que legitima a imperiosidade da elaboração de um projeto nacional (G.
Neves, 1994, p. 275) para cada país que deseje ter algum comando no processo de
sua inserção na nova ordem global que se desenha.
Universalidade atual do
fenômeno de região
Na mesma vertente pós-moderna que fala
de fim do território e de não-lugar, inclui-se, também, a negação da idéia de
região, quando, exatamente, nenhum subespaço do Planeta pode escapar ao
processo conjunto de globalização e fragmentação, isto é, individualização e
regionalização.
No decorrer da história das
civilizações, as regiões foram configurando-se por meio de processos orgânicos,
expressos através da territorialidade absoluta de um grupo, onde prevaleciam
suas características de identidade, exclusividade e limites, devidas à única
presença desse grupo, sem outra mediação. A diferença
entre áreas se devia a essa relação direta com o entorno. Podemos dizer que,
então, a solidariedade característica da região ocorria, quase que
exclusivamente, em função dos arranjos locais. Mas a
velocidade das transformações mundiais deste século, aceleradas
vertiginosamente no após-guerra, fizeram com que a configuração regional
do passado desmoronasse.
Da mesma forma, como se diz, hoje, que
o tempo apagou o espaço, também se afirma, nas mesmas condições, que a expansão
do capital hegemônico em todo o planeta teria eliminado as diferenciações
regionais e, até mesmo, proibido de prosseguir pensando que a região existe.
Quanto a nós, ao contrário, pensamos
que: em primeiro lugar, o tempo acelerado, acentuando a diferenciação dos
eventos, aumenta a diferenciação dos lugares; em segundo lugar, já que o espaço
se torna mundial, o ecúmeno se redefine, com a extensão a todo ele do fenômeno
de região. As regiões são o suporte e a condição de relações globais que de
outra forma não se realizariam. Agora, exatamente, é que não se pode deixar de
considerar a região, ainda que a reconheçamos como um espaço de conveniência e
mesmo que a chamemos por outro nome.(6)
Acostumamo-nos a uma idéia de região
como subespaço longamente elaborado, uma construção estável. Agora, neste mundo
globalizado, com a ampliação da divisão internacional do trabalho e o aumento
exponencial do intercâmbio, dão-se, paralelamente, uma aceleração do movimento
e mudanças mais repetidas, na forma e no conteúdo das regiões. Mas o que faz a
região não é a longevidade do edifício, mas a coerência funcional, que a
distingue das outras entidades, vizinhas ou não. O fato de ter vida curta não
muda a definição do recorte territorial.
As condições atuais fazem com que as regiões se transformem continuamente, legando, portanto, uma menor duração ao edifício regional. Mas isso não suprime a região, apenas ela muda de conteúdo. A espessura do acontecer é aumentada, diante do maior volume de eventos por unidade de espaço e por unidade de tempo. A região continua a existir, mas em um nível de complexidade jamais visto pelo homem.
Notas:
(1) "Os meios naturais são, desde as
origens da pré-história e por definição, meios relativamente técnicos: Homo faber. A partir do Paleolítico superior, os trabalhos do
homem para defender-se, alimentar-se, alojar-se, vestir-se, decorar seus
abrigos ou seus lugares de culto implicam técnicas já complexas. Inversamente,
não conhecemos, mesmo nos centros mais urbanizados, meio técnico 'puro', do
qual esteja excluída qualquer ação de elementos naturais (se bem que em última
instância isto se possa conceber)." G. Friedmann,
1966, p. 186. VOLTAR
(2) "[…] a natureza não era apenas
um quadro fixo, ela era também um regulador constante. As nossas ações se
incorporavam rapidamente e tudo se podia experimentar sem grandes riscos,
porque os equilíbrios naturais, fracamente modificados pela intervenção do
homem, logo retomavam seu papel." G. Berber,
1964, p. 231. VOLTAR
(3) "A mecanização do espaço técnico
é muito mais recente do que a 'mecanização da imagem do mundo', retomando o
livro de Dijksterhuis. Ela somente se impôs ao longo
dos dois últimos séculos, dos quais ela constitui o traço dominante, nos países
ocidentais e no Japão. Ela se tornou um fenômeno planetário. Ela se
metamorfoseia de 'geração' em 'geração'. Ela povoa o imaginário coletivo: a ciência-ficção
somente imagina o futuro como sendo invadido e saturado por máquinas, às vezes
dominado e às vezes aniquilado por elas." J.-P. Séris, 1994, p. 154. VOLTAR
(4) A esse respeito, P. Geiger (1993, p. 108) refere-se à "[…] divisibilidade
das operações e sua dispersão geográfica, conduzindo a maiores especializações
[…]". A esse respeito, ver, também D. Trinca (1993, p. 199).
VOLTAR
(5) A propósito do tema territorialidade-desterritorialidade, tanto para o caso
brasileiro como em geral, ver M. Correia de Andrade (1994), Gervásio
Neves (1994), R. Lobato Corrêa (1994), Pedro Geiger (1994) e outros. VOLTAR
(6) Embora seja difícil
estabelecer com precisão o significado da palavra região, é certo que, seja
qual for a sua definição, ela está intimamente ligada às formas de produção que
vigoram em determinado momento histórico." M. A. Faggin Pereira Leite, 1994, p. 14. VOLTAR
*
Fonte: http://www.moderna.com.br/novageo/ngnatura.htm
A natureza do espaço (São Paulo, Hucitec,
1996, pp. 187-197), de Milton Santos Abril/1998