Conversa fiada
Oscar Niemeyer
Muitas vezes ficamos
noite adentro, a conversar com os amigos. Conversa fiada, que nos faz muito
bem.
E falamos de tudo. De
política, de futebol, deste mundo perverso em que vivemos, dos nossos irmãos
das favelas, dos meninos de rua a correrem pela madrugada, sem uma esperança
sequer.
Não raro falamos do
futuro, do inesperado, que tudo domina, e muitas vezes contra nós. Até da
figura sinistra de Bush nos ocupamos. E aí, nacionalistas, todos se levantam a
falar da Amazônia tão ameaçada e da política externa de Lula, que só podemos
aplaudir.
No último encontro,
observei que começava a me repetir – pessimista –, a comentar sobre a
fragilidade das coisas e das nossas pobres vidas.
E, sem cair no
niilismo, passando por Schopenhauer e pela leitura de
"L'être et le Néant" ("O Ser e o Nada"), que nunca
esqueci, aceitava a pouca importância da vida e de tudo o mais.
Depois, ao voltar para
casa, fiquei a analisar esse meu ponto de vista que tanto repetia – para
alguns, sem maior significação. E agradou-me perceber que havia uma certa razão para essa insistência, talvez desnecessária,
apesar de representar uma idéia muito minha, a defender a conveniência de
melhorar o ser humano, de fazê-lo mais modesto, o que a luta política,
inclusive, reclama.
A proposta de Marx e Engels é legítima e apaixonante
-mudar a sociedade, fazê-la boa e justa para todos |
Lembro os velhos
tempos... Quando o partido era para muitos, coisa sagrada, uma religião. Hoje
continuo a admirá-los, convicto, como eles, de que a proposta de Marx e Engels
é legítima e apaixonante – mudar a sociedade fazê-la boa e justa para todos. Só
o ser humano é que continuaria desprotegido diante do destino implacável.
E, procurando um
exemplo que comprovasse o meu pensamento, era Kruschev
que me aparecia. Ele, que, ambicioso, voltado para o poder, elaborou o
lamentável relatório contra Stálin.
Satisfazia-me ver que
até na luta política a modéstia seria eficaz, evitando erros como esse. E, mais
ainda, na sociedade sem classes adotada, aceitando-se as limitações que o novo
regime -igual para todos- vai estabelecer.
Sentia que essa
preocupação com a modéstia e a importância que poderia assumir em qualquer
movimento de caráter político nunca tinham sido devidamente valorizadas. O que
parece justificar o empenho com que a elas costumo voltar, certo de que, mais
modesto, o homem será um dia mais feliz.
Oscar Niemeyer, 96, arquiteto, é um dos criadores de Brasília. Tem obras edificadas na Alemanha, Argélia, EUA, França, Israel, Itália, Líbano e Portugal, entre outros países.