Educação Globalitária

Zeno Soares Crocetti *

 

Resumo

Este trabalho pretende discutir e examinar o processo de formação da Educação Mercadoria, fruto da fase atual do capitalismo neoliberal, denominado de Globalização. E avaliar ainda a influência no processo de reconfiguração da Educação Pública. A comunicação de massas deixa de ter um único modelo, aquele em que poucos controlam o que é consumido por muitos. As redes técnicas conectam os diversos lugares na superfície da Terra, reduzindo distância e ultrapassando fronteiras. Essas redes ocupam espaços, criam topografias novas, onde existe o máximo de diversidade e interatividade entre seus componentes Nessa nova conjuntura social, torna-se extremamente decisiva a geração do conhecimento, seu domínio, sua manipulação, no mundo da produção, da gerência e dos serviços. As distâncias entre os países se definem pelo grau de saber acumulado e socializado no seu interior, além é claro da divisão da riqueza acumulada. Em termos de Brasil, sem o correspondente ao Ensino Médio completo, as pessoas dificilmente se preparam para acompanhar a revolução tecnológica.

Considero esse tema complexo e ainda pouco explorado. Sendo estas análises provisórias no conjunto do conhecimento, as mesmas podem ser alteradas e aprofundadas posteriormente, com a continuidade dos estudos no campo das relações da sociedade e das tecnologias. Este texto é ainda um esboço, portanto peço que o considerem com generosidade nos debates.

É de idéias convertidas em ato que se transforma um país. E essas idéias serão tão mais aprimoradas, quanto aprimorados forem o conhecimento e a cultura da sociedade como um todo!

Palavras-chave: globalização; desterritorialização; desigualdade; reestruturação produtiva; poder; educação

Abstract

This work intends to discuss and to examine the process of formation of the Commodity Education , fruit of the current phase of the neoliberal capitalism, denominated of Globalization. And to still evaluate the influence in the process of reconfiguration of the Public Education. The communication of masses stops having an only model, that in that few control what is consumed by many. The technical nets connect the several places in the surface of the Earth, reducing distance and surpassing borders. Those nets occupy spaces, they create new topographies, where it exists the maximum of diversity and inter-activity among your components In that new social conjuncture, she becomes extremely decisive the generation of the knowledge, your domain, your manipulation, in the world of the production, of the management and of the services. The distances among the countries are defined by the degree of knowing accumulated and socialized in your interior, beyond it is clear of the division of the accumulated wealth. In terms of Brazil, without the correspondent to the complete Medium Teaching, the people difficultly get ready to accompany the technological revolution.

I consider that complex theme and still little explored. Being these temporary analyses in the group of the knowledge, the same ones can be altered and deepened later, with the continuity of the studies in the field of the relationships of the society and of the technologies. This text is still a sketch, therefore I ask that consider it with generosity in the debates.

It is of ideas turned into act that changes a country. And those ideas will be so more perfect, as perfect they go the knowledge and the culture of the society as a completely!

Key words: globalization; disterritoryzation; inequality; productive restructuring; power; education

 

 

Receita para o desastre

“Nós criamos uma civilização global em que elementos cruciais - como as comunicações, a educação e até a instituição democrática do voto - dependem profundamente da ciência e da tecnologia.

Também criamos uma ordem em que quase ninguém compreende a ciência e a tecnologia. É uma receita para o desastre.

Podemos escapar ilesos por algum tempo, porém mais cedo ou mais tarde essa mistura inflamável de ignorância e poder vai explodir na nossa cara.”

(Sagan, 1997, p. 39)

O neoliberalismo, como sistema político hegemônico mundial, é um novo imperialismo, que se alimenta na conquista de territórios. O fim da Guerra Fria, não significa, de maneira alguma, que o mundo tenha superado a bipolaridade e reencontrado a estabilidade, sob a hegemonia dos Estados Unidos. Pois, se há um vencido, é difícil nomear o vencedor. Os Estados Unidos? A União Européia? O Japão? Os três juntos?

A derrota do "império do mal" abre novos mercados, cuja conquista provoca uma nova guerra mundial.

O globalitarismo, essa Nova Ordem Mundial, regrediu no tempo e no espaço, essa estranha modernidade, que dá dois passos para frente, três para trás. Esse fim de milênio assemelha-se mais aos séculos bárbaros precedentes do que ao futuro racional, descrito por tantos romances de ficção científica. Pois, centenas de países e nações, riquezas e, sobretudo, uma imensa força de trabalho disponível aguardam seu novo patrão. Única é a função de mestre do mundo, numerosos são os candidatos. Vem ai uma nova guerra entre os que pretendem fazer parte do "império do bem".

 

A cartografia das desigualdades

 

 

“A economia sem limites é inevitável, uma espécie de furacão varrendo a face da terra.”

Herman Wever, presidente da Siemens.

 

 

O capital redesenhou as fronteiras econômicas e países continentais como o Brasil transformaram-se em pouco mais que penínsulas.

O mapa-múndi redesenhado na proporção da riqueza de cada país é uma obra desconcertante , certamente constrangedora para os geógrafos, acostumados a ver fronteiras do mundo demarcadas por montanhas, vales, rios e mares. O mapa do capital também define linhas bem distintas daquelas traçadas nos discursos da globalização. O que se observa é que a viagem cada vez veloz de recursos tem como destino o bolso de poucos.

Para ser mais exato, de 358 bilionários, com uma riqueza que supera a renda conjunta dos países onde vivem 45% da população mundial, conforme o The Human Development Report das Nações Unidas publicado no jornal londrino The Guardian. O clube dos bem-afortunados é cada vez mais seleto. Em 1960, os 20% mais ricos da Terra possuíam o equivalente a 30 vezes o quinhão dos 20% mais pobres. A diferença dobrou. Hoje, é de 61 vezes.

A Nova Ordem Mundial se sustenta nas velhas desigualdades entre os habitantes, assim como nas velhas distinções entre classes de países. Os caciques da aldeia global são os 23 países desenvolvidos, que concentram nada menos que 80% do Produto Interno Bruto (PIB) do globo, US$ 20,5 trilhões, mas onde moram apenas 15% da população: Estados Unidos, Canadá, países da Europa Ocidental, Austrália, Japão e Nova Zelândia. Neste grupo exclusivo, a renda per capita média é US$ 24 mil. Nos outros 162 países, US$ 1 mil.

"É fácil de constatar as disparidades, basta dar uma volta nas ruas", disse o cientista político e lingüista estadunidense Noam Chomsky, ao visitar em novembro de 1998 pela primeira vez o Brasil. Diariamente, circulam US$ 3 trilhões nos mercados financeiros mundiais. Diariamente também, um quarto dos habitantes do planeta vai dormir com fome, o que corresponde a cinco vezes a população dos Estados Unidos.

 

A riqueza das nações

 

O mapa científico-tecnológico amplia a área dos países desenvolvidos, portanto a área dos países são proporcionais a riqueza acumulada e o desenvolvimento tecnológico. (adaptado e atualizado pelo autor a partir do mapa produzido pelo New York Times em 1993, com o auxílio da empresa de consultoria e estratégia Chi Research.)

Há cada vez menos barreiras para o percurso do capital. O volume de comércio exterior, base da internacionalização econômica, cresceu em média 5,3% nos quatro primeiros anos da década de 90, o maior avanço desde o início dos anos 70. Não houve, porém, contrapartida no aumento da riqueza mundial. Ao contrário: a taxa de crescimento do Produto Interno Bruto nos anos 90 foi a mais baixa da segunda metade do século 20, 1,71% ao ano em média, segundo mostra um estudo do economista Simão Silber, professor de Economia da USP. A conclusão é que a intensificação da circulação de mercadorias entre os países, uma marca do globalitarismo, não tem melhorado a vida da maioria das pessoas nem tampouco da maior parte dos países. O capital circula com mais velocidade, mas a quantidade de produtos continua praticamente a mesma, ou seja, maior produção com menos trabalho, logo menos consumo.

 

Investimentos Externos (% sobre o total mundial)

Países

1914

1930

1970

1992

Reino Unido

50

38

15

13

Alemanha e França

40

40

9

12

Estados Unidos

6

15

52

58

Fonte: Banco Mundial WIR, 1997

O Brasil tolhe o desenvolvimento da Argentina e do México e, por causa de seu tamanho e influência, constitui a chave para uma América Latina estável e próspera. É o quinto maior país do mundo, cuja população de 170 milhões de habitantes é maior que a da Rússia e cujo parque industrial ultrapassa o da China. E a despeito de suas freqüentes reservas contra o domínio exercido pelos Estados Unidos sobre o mundo pós-Guerra Fria, o Brasil abre o seu mercado ao mundo. Sua mudança de postura ilustra a convulsão do livre mercado que trouxe um crescimento de 5% à América Latina entre 1994-98 e um recorde de US$ 65 bilhões em investimentos estrangeiros diretos, embora a média do centro mundial do capitalismo teve um aumento três vezes maior.

Mas com estas mudanças em curso, vital aos interesses estadunidenses, agora o Brasil parece estar enfrentando uma situação crítica. Falando claramente, a pergunta que os brasileiros fazem é se as pressões econômicas globais não estariam cobrando um preço demasiado alto em termos de estabilidade social, numa sociedade que esta entre as mais desiguais do mundo.

As medidas que o Brasil tomou para salvar sua moeda - medidas que, até agora, satisfizeram as elites dos mercados globais altamente voláteis - estão lesando os pobres e a classe média baixa. A crise asiática tem se traduzido em altas taxas de juros e desemprego. Muitos brasileiros que estavam comprando a crédito carros ou fornos de microonda já não o podem fazer, pois os esforços no sentido de atrair capital internacional pressionaram a taxa de juros para perto de 40% ao ano.

“(...) Em nome do globalitarismo racional, vão sendo atacadas formas conhecidas e tradicionais de solidariedade. Todas são transformadas na mesma peste: o corporativismo egoísta. O sucateamento dos patrimônios públicos, a destruição dos direitos sociais e dos salários, a precarização das relações de trabalho e o corte dos gastos públicos, sobretudo na área social, são medidas políticas sempre consideraras insuficientes frente ao apetite do centro do capitalismo.”

(Fiori, 1999)

Dezenas de milhares de funcionários públicos foram demitidos, milhares de trabalhadores da indústria automobilística estão ociosos. O presidente FHC está pagando um preço político: as pesquisas de opinião realizada por jornais e revistas, têm mostrado que sua popularidade vem caindo abaixo de 55% ruim e péssimo nesses últimos doze meses de governo, principalmente depois da desvalorização do real.

A pergunta que fica sem resposta, contudo, é se essa abertura total da economia brasileira irá propagar a prosperidade ou se irá concentrá-la ainda mais. Levantamentos realizados pelo IBGE, sugerem que os 20% mais ricos da população brasileira ainda retêm mais de 60% das riquezas da nação, ao passo que os 20% mais pobres respondem por cerca de 2%. Nos Estados Unidos, para comparação, os 20% mais ricos ficam com 42% da renda nacional e os 20% mais pobres têm 5%. 

O Brasil é, portanto, um símbolo supremo de desigualdades sociais do continente americano onde, a despeito de quase uma década de abertura à economia globalitária, a Organização das Nações Unidas estima que 40% da população seja pobre e um em cada quatro habitantes sobreviva com menos de US$ 1 por dia.

 

BRASIL E REGIÕES:
(rendimento médio mensal, por faixas de salário, da população economicamente ativa (em porcentagem)

 

Grandes Regiões, conforme IBGE

Brasil

Faixas de salários mínimos (s.m.)

Norte

Nordeste

Sudeste

Sul

Centro-Oeste

 

Até meio s.m.

7

22

6

8

7

11

Mais de meio até 1 s.m.

16

27

16

16

18

19

Mais de 1 até 2 s.m.

21

23

20

23

22

22

Mais de 2 até 3 s.m.

13

8,5

13

14

12

12

Mais de 3 até 5 s.m.

19

9

18

17

16

15

Mais de 5 até 10 s.m. 

14

6

15

13

13

12

Mais de 10 até 20 s.m.

6

3

8

6

7

6

Mais de 20 s.m.

4

1,5

4

3

5

3

Total

100

100

100

100

100

100

Fonte: Anuário estatístico do IBGE, PNAD, 1997.

No extremo oeste do Estado de São Paulo, na região do Pontal do Paranapanema, nuvens vermelhas de poeira se espalham por uma paisagem ampla e vazia. O cultivo é raro; umas poucas cabeças de gado representam os únicos sinais isolados de vida. Lavradores sem-terra  acampam sob frágeis abrigos, um lembrete das tensões que dilaceram a economia, mesmo deste que é o Estado brasileiro mais rico e avançado da união, sem falar das dezenas de chacinas que ocorrem regularmente na capital paulista.

Numa escola da pequena cidade de Teodoro Sampaio-SP, está Miriam Farius de Oliveira, que foi demitida de seu emprego de R$ 368,00 mensais, organizava a distribuições de merendas escolares. Ela é uma dos mais de 30.000 funcionários estaduais demitidos, numa época em que o Brasil tenta escorar a moeda contra o aperto asiático. "Me disseram que não passei no exame obrigatório para o emprego", disse ela. "Não me deram nenhum aviso".

No Brasil, a mudança para uma economia aberta aconteceu contra um pano de fundo de pobreza extrema, que deixa exércitos de migrantes indigentes perambulando pelo país em busca de trabalho para sobreviver. "O impacto social da reforma neoliberal pode ser bem negativo, no começo", disse Milton Seligman, presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, em Brasília. "Mas independentemente daquilo que o MST pensa, o socialismo está morto. Estamos agora no salão de danças internacional e não temos outra escolha, senão dançar. Se conseguirmos enfrentar o desafio, fornecer escolas, terra, saúde, o Brasil poderá se transformar numa importante potência internacional em 15 anos".

As ambições brasileiras sempre provocaram atritos com o governo estadunidense. Ainda provocam hoje. O Brasil tende a considerar a pressão de Clinton a favor de uma Área de Livre Comércio das Américas em 2005, como uma tentativa de destruir a indústria brasileira. O governo prefere a consolidação do Mercosul, cujo comércio praticamente triplicou, chegando a US$ 17 bilhões, nos últimos cinco anos, mas que estagnou em 1999 por conta da desvalorização cambial brasileira, quase entrou em colapso. "Depois de 1991, os Estados Unidos emergiram com uma tremenda força globalitária", disse Malan. "Mas isso não deve implicar que não existam as identidades nacionais, nem que um país como o nosso não tenha uma visão de médio prazo para os seus próprios interesses. O fortalecimento do Mercosul é nossa prioridade imediata".

A visita de Clinton em outubro de 1998, quase se transformou em um fiasco depois que as autoridades locais leram um "Guia Comercial do Brasil" publicado pelos Estados Unidos que dizia que a corrupção era "ainda endêmica na cultura" brasileira. Políticos ultrajados disseram que o Brasil não suportaria tal "humilhação". A frase foi apressadamente eliminada, mas o dano subsiste. "Não acho que tenhamos mudado", disse uma autoridade estadunidense. "Ainda somos os mesmos velhos americanos, gordos e felizes. O que mudou é que somos os únicos que permaneceram de pé e os outros países ficaram menos tolerantes conosco. Precisamos caminhar com mais cuidado".

A desconfiança de alguns setores da sociedade brasileira – de que o comércio livre em todo o continente só poderá levar a salários menores – é, evidentemente, também a preocupação de muitos trabalhadores estadunidenses.

Isso ficou bem claro na recente e fracassada tentativa de Clinton, ao tentar reconquistar a lei chamada "fast-track authority" (isto é, "autoridade da via rápida") para negociar novos acordos comerciais. Mas no Brasil, que é vulnerável à superioridade tecnológica dos Estados Unidos, tais preocupações são intensificadas e se justificam pelo medo da manipulação e a médio prazo se tornar um fantoche do capitalismo estadunidense.

 

A nova guerra: A reestruturação produtiva

"A guerra é um assunto de importância vital para o Estado – é a província da vida e da morte, o caminho que conduz à sobrevivência ou ao aniquilamento. É indispensável estudá-la a fundo."

Sun Tsé, "A Arte da Guerra"

Para os empresários capitalistas candidatos a sobrevivência nessa guerra global, reza o manual globalitário que é necessário satisfazer três condições:

Qualidade (a sua satisfação garantida ou seu dinheiro de volta);

Competitividade (racionalidade, maior eficiência com menor estrutura administrativa e humana, ou seja, fazer o máximo com o mínimo);

Produtividade (maior produção com menor custo e menor mão-de-obra).

Mas o modelo de reorganização do trabalho e da produção vem do região mais dinâmica do capitalismo mundial: o sudeste da Ásia. O toyotismo é hoje uma cartilha bíblica para qualquer empresário.

Uma empresa oferece um emprego ao trabalhador. Este se integra a uma escala móvel de cargos e remunerações – regulada pelo seu desempenho em função da racionalidade/produtividade/ qualidade. Quando a mão-de-obra se mostra eficaz é promovido, quando não, é rebaixado.

A empresa em "retribuição" ao bom desempenho e subserviência do trabalhador, oferece um pacote de “privilégios”, tais como; serviço de saúde e previdência social privada, seguro de vida, clube social e esportivo, convênios em supermercados e escolas particulares – evidentemente que a qualidade deste serviço é diretamente proporcional ao status e salário do beneficiado. Dessa maneira, aquilo que deveria ser um direito de qualquer cidadão, garantido pelo Estado (saúde, educação, seguridade social, lazer, etc.), passa a ser privilégio de alguns, concedido pelas Empresas, como maneira de assegurar sua eficiência e obediência. Faz-se apologia da iniciativa privada citando a ineficiência do serviço público, mas debita-se os gastos da carga tributaria das empresas - justamente a fonte de renda que poderia garantir ao Estado as condições de oferecer serviços públicos de qualidade e universais para todos os trabalhadores.

A empresa então paga a escola privada dos filhos e lhes promete um emprego futuro. Diante da alta especialização do trabalho a empresa esta garantindo a reposição de mão-de-obra qualificada nas proporções que necessita. O ensino não vai ser mais universal, mas reproduzirá as condições de trabalho dos pais, pois uma das características do toyotismo é justamente organizar o trabalho em grandes faixas de qualificação técnica. Os filhos receberão a educação de acordo com nível de função de seus pais: escolas de boa qualidade aos filhos dos níveis gerências, escolas eficientes tecnicamente para os respectivos níveis de atuação profissional dos pais dos alunos. Alem disso restringindo o ensino formal, pois numa era de flexibilização das funções este deve ser mínimo para que se complemente adequadamente, no futuro, pelos programas de treinamento pertinentes a cada função no mundo do trabalho. Um sistema privado sustentado pelos tributos que deixam de ser arrecadado pelo Estado, como forma de garantir um sistema de ensino público e de qualidade para os filhos de todos os trabalhadores.

 Esta mesma empresa oferece um espaço de lazer aos seus funcionários, inclusive para os fins de semana. A empresa agora quer monopolizar as relações sociais de seus trabalhadores, romper todo os vínculos externos. É interessante como os patrocínios aos clubes esportivos geram uma identidade das torcidas com a empresa, num sentido abstrato e afetivo, dentro da mesma modelo utilizado pelos nacionalistas.

A empresa então se oferece para empregar outros membros da família, preferencialmente o cônjuge. Para o trabalhador é uma feliz garantia de ampliação segura da renda familiar. Para empresa assegura-se a garantia de identificação familiar com seus objetivos, além de conter os gastos assistências com seus funcionários.

Um trabalhador integrado em tal situação vai cumprir a risca todas as proposta de metas de produtividade/qualidade/racionalidade. Disto não depende somente o seu salário, mas também o sistema de saúde de sua família, a sua aposentadoria, a escola e o futuro emprego dos filhos, o emprego do cônjuge e também as relações de amizade. As metas fixadas pelos próprios funcionários e a criatividade necessária são gestadas a partir da integração completa da vida do trabalhador. Pode-se, então, sugerir uma compreensão para o fato de um segmento importante dos assalariados no Japão se identificam mais com o nome da empresa do que com o seu próprio sobrenome.

Nesta complexa teia de relação capital-trabalho, um assalariado não terá como requerer os seus direitos trabalhistas – inclusive alguns históricos como a especificação das tarefas de sua função, normatização da insalubridade e periculosidade da área de atuação, jornada de trabalho, férias e respeito aos feriados. Pois a produtividade exige o máximo para atingir os seus objetivos.

Este “arranjo” do capitalismo pode ser analisado a partir da Teoria da Regulação, que pressupõe:

O regime de acumulação é o que estabelece a correspondência entre as condição de produção e as condições de reprodução dos assalariados.

O modo de regulação é o conjunto dos hábitos, normas, leis, redes, etc., que normaliza e regula a ação dos indivíduos (ou grupos de indivíduos) tais como capitalistas, trabalhadores, funcionários públicos, etc.

(cf. Harvey, 1992, p. 117)

Vivemos um processo, segundo Harvey, em que o modo de regulação keynesiano/fordista está cedendo o seu lugar para o modo de acumulação flexível e integrado. Harvey considera que a acumulação flexível é uma transformação sólida, porém, ainda não concluída (portanto num período de transição) [cf. p. 179]. Mas o autor também considera que a trajetória do desenvolvimento do capitalismo "(...) não é previsível em nenhum sentido comum exatamente porque sempre se baseou na especulação" [p. 307], de forma que as condições ou atividades e imaginação humana podem combinar um rol infinito de elementos geradas pela própria dinâmica da capitalismo. Nesta perspectiva não há garantias de que as mudanças no controle do trabalho não sejam irreversíveis [cf. p. 179] e tão pouco que o fordismo esteja condenado a extinção, pois o grau de fordismo e de flexibilidade varia em época e lugares em função da capacidade de lucro que cada sistema pode gerar numa configuração específica [Harvey, 1992, p. 308].

As dificuldades do fordismo e do Keynesianismo podem ser compreendida "por uma palavra: rigidez"  [cf. Harvey, 1992, p. 135-136]:

 

Rigidez de investimentos: o capital fixo para produção de massas requeria rigidez de planejamento e crescimento relativamente estável do mercado de consumo;

Rigidez na distribuição de mercados;

Rigidez nos contratos de trabalho;

Rigidez nos compromissos estatais com a seguridade social e serviços públicos.

Este processo levou a uma crise – a estagflação – cujos desdobramentos apontam para desdobramento que constituíram um novo regime de acumulação e um novo modo de regulação do capital.

 

O Estado neoliberal

"Tudo o que podemos dizer que este é um movimento ideológico, em escala verdadeiramente mundial, como o capitalismo jamais havia produzido no passado. Trata-se de um corpo de doutrina coerente, autoconsciente, militante, lucidamente decidido a transformar todo o mundo à sua imagem, em sua ambição estrutural e sua extensão internacional. Eis aí algo mais parecido ao movimento comunista de ontem do que ao liberalismo eclético e distendido do século passado."

(Anderson, 1995, p. 22)

Para os países candidatos ao modelo nessa guerra global, reza o manual globalitário que é necessário satisfazer cinco condições:

Estabilidade da economia com crescimento controlado;

Modernidade através de reformas eficazes;

Flexibilidade administrativa, produtiva e trabalhista;

Privatizações (Estado mínimo);

Globalização da economia, livre cambismo total.

Para a implantação do projeto da nova ordem mundial (o globalitarismo) o Estado nacional – como o conhecemos hoje – deve ser eliminado. A coordenação das políticas macroeconômicas passam para os cartéis (megaempresas globais) ou organismos internacionais (FMI/Banco Mundial/OMC). Os serviços públicos devem ser privatizados para se adaptar as estratégias globais. O Estado Mínimo passa a ser então sinônimo de legislação e ainda assim basicamente na área civil, pois as de ordem econômica e trabalhistas devem ser padronizadas e flexibilizadas – a formação da União Européia expressa claramente esta perspectiva. E também deve se organizar, assumindo total responsabilidade para que os excluídos não perturbem os incluídos na “nova ordem”, garantindo a estes ordem e segurança que a produtividade/qualidade/racionalidade requerem. Hoje fala-se em políticas compensatórias para diminuir os impactos dessa política globalitária excludente e gestora da pobreza, fruto dos ajustes estruturais em curso para adaptar as economias locais a lógica da nova dinâmica da economia mundial.

"O neoliberalismo dos tempos da globalização do capitalismo retoma e desenvolve os princípios que se haviam formulado e posto em prática com o liberalismo ou a doutrina da mão invisível, a partir do século XVIII. Mas o que distingue o neoliberalismo pode ser o fato de que ele diz respeito à vigência e generalização das forças de mercado capitalista em âmbito global."

(Otávio Ianni, 1997)

A atuação social do Estado, tende a se resumir basicamente aos municípios, onde a administração pública, é muito próxima da comunidade, e os grupos de pressão podem garantir alguma migalha social tais como; desempenhar algumas funções de planejamento urbano; de apoio a grupos sociais carentes, e pode até, em alguns caso, garantir a permanência de alguns serviços públicos, como escolas para alfabetização elementar, postos de saúde elementar para os setores excluídos do processo produtivo.

 

O pensamento único

“A globalização financeira criou seu próprio Estado. Um Estado supranacional, que dispõe de seus aparelhos, de suas redes de influência e de seus meios de ação próprios. Estas instituições falam a uma só voz - que repercute na quase totalidade da grande mídia - para exaltar as "virtudes do mercado.” 

(Ramonet, dezembro, 1997)

 

É a vertente ideológica do projeto para a nova ordem mundial. Proclamando a "superioridade histórica" do capitalismo que procura converter o medo do tempo de mudanças em triunfalismo individual e individualista – seria um novo tipo de identidade para superar o nacionalismo?

No Novo Testamento do liberalismo, não há espaço para essa ,e outras discussões. Trata-se de uma questão de simples realismo e pragmatismo. O Pensamento Único, de acordo com o criador do termo, o redator-chefe do jornal francês Diplô, Ignacio Ramonet, surge como um discurso anônimo, dogmático e arrogante. A cartilha do Pensamento Único dita as seguintes normas: Banco Central independente, transparente e apolítico, redução no déficit público, moeda estável, desregulamentação, privatização, liberalização, abertura de mercado, internacionalização da produção industrial, assim como dos fluxos financeiros, competitividade e modernização empresarial, divisão internacional de trabalho com reivindicações sindicais reduzidas. Em resumo, o Deus mercado assume a soberania no lugar do Estado.

PIB gerado na indústria (%)

Países

1970

1990

1999

Reino Unido

34

30

21

Alemanha

41

36

27

Estados Unidos

32

25

19

Japão

41

38

23

Fonte: Banco Mundial WIR, 1999

Conforme Ramonet: "O Pensamento Único nada mais é do que uma pretensão de universalizar interesses que pertencem unicamente às forças econômicas que o criaram, principalmente o capitalismo internacional". As raízes desta doutrina, foram fincadas em 1944, com o Acordo de Bretton-Woods, que abandonou o padrão ouro e definiu o dólar como moeda que serviria a partir de então como parâmetro para o mundo, oficializando a posição dos Estados Unidos como principal potência econômica. O novo líder se juntou aos demais países ricos na criação de organizações como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial ou a Organização para Cooperação do Desenvolvimento Econômico (OCDE), por meio das quais cunharam os princípios fundamentais das atuais políticas econômicas e depois os divulgaram em centros de pesquisa, universidades, fundações e imprensa.

Maiores exportadores (em bilhões US$ - 1998)

 

País

US$ (bilhões)

1

Estados Unidos

683

2

Alemanha

540

3

Japão

388

4

França

307

5

Reino Unido

273

6

Itália

241

7

Canadá

214

8

Holanda

198

9

China

184

10

Hong Kong

174

11

Bélgica

172

12

Coréia do Sul

133

13

México

118

14

Taiwan

111

15

Cingapura

110

16

Espanha

109

17

Suécia

85

18

Suíça

79

19

Rússia

74

20

Malásia

73

21

Irlanda

63

22

Áustria

62

23

Austrália

56

24

Tailândia

54

25

Brasil

51

26

Indonésia

49

27

Dinamarca

47

28

Finlândia

42

29

Noruega

40

30

Arábia Saudita

39

Fonte: OCDE, OMC, 1999

A definição do modelo que todos iriam seguir ficou a cargo daqueles 23 países hoje responsáveis por 88,4% dos fluxos internacionais de crédito, por 70% dos investimentos externos diretos e por 87,5% do valor total das empresas listadas em Bolsas de Valores do mundo, de acordo com dados elaborados por Octavio de Barros, diretor-técnico da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica. Integrantes de segundo escalão, os 115 países em desenvolvimento (incluindo o Brasil) escancaram seus mercados para receber recursos que passam apenas de raspão por seu território. E os 47 restantes, a maioria países africanos, como Etiópia, Somália e Togo, desaparecem no mapa do capital (conforme mapa anterior).

 

De romanos e de bárbaros

“Assim como existia uma seleção natural entre as espécies, ela também existia na sociedade. A luta pela sobrevivência entre os animais correspondia à concorrência capitalista; a seleção natural não era nada além da livre troca dos produtos entre os homens; a sobrevivência do mais capaz, do mais forte era demonstrada pela forma criativa dos gigantes da indústria que engoliam os competidores mais fracos, em seu caminho para o enriquecimento. O sucesso dos negócios demonstrava habilidade superior de adaptação às mudanças; o fracasso indicava capacidade inferior. Por estas razões, a intervenção do Estado era prejudicial, já que interrompia o processo pelo qual a natureza impessoal premiava o forte e eliminava o fraco.”

(H. Spencer, filósofo inglês, conhecido pelo seu método do “darwinismo social”)

 

O projeto descrito até aqui não vai abarcar toda a população do planeta. Um setor da classe trabalhadora vai ter a suas condições básicas de vida garantida para que possa exercer suas funções no mundo do trabalho e sustentar parte significativa do mercado consumidor. A outra parte da população tende a viver na miséria e marginalidade.

A humanidade já se proveu de todas as condições para garantir a todas as pessoas a condições básicas de vida. As novas tecnologia vislumbram a possibilidade da libertação da diminuição maciça da jornada de trabalho.

Mas a lógica do globalitarismo da chamada “nova” ordem mundial leva a ampliação das diferenças sociais. A produtividade e a racionalidade aliadas as novas tecnologias são sinônimos de desemprego para um a parte e ampliação da jornada de trabalho para outra. A possibilidade da redução da jornada de trabalho para as atividades de realização humanista de cada ser humano é trocada pela miséria de uns e extrema alienação de outros.

Nesse princípio de século XXI, já é possível perceber que o gigantesco desenvolvimento cientifico e industrial encontra-se com a mais brutal exclusão de seres humanos que a história já registrou.

 

A função da educação no globalitarismo

“Quando um grupo social se mostra superior a outro nas manifestações da vida nacional, de modo inevitável, termina por dominar a vida política e econômica do país e passa a impor, de modo permanente, sua superioridade. Seja pela superioridade que se reafirme por meios intelectuais e de gerência, ou seja pela força econômica e política a qual ele desfruta, chega um momento em que fica estabelecida definitivamente e oficializada sua autoridade de liderar o processo de mudança. Afirmo que esta lei é a única que explica a história da raça humana e as guerras coloniais dos impérios e que, além disso, esclarece e justifica as apropriações feitas pelos europeus, nos territórios da Ásia, África e Oceania, e durante todo o processo de nosso desenvolvimento histórico e social”.

Texto sobre a conjuntura brasileira, que circulou na Internet em 1999, de autor desconhecido.

"O que eu penso entender por uma revolução neoliberal não é uma revolução na qual a classe dominante faz a luta – eles nunca fizeram isso em nenhuma revolução – mas uma revolução cuja ocorrência limpa o terreno para o globalitarismo".

(Zeno Crocetti, 1997)

A crise da educação pública

O projeto para um “novo mundo” proposto pelo Banco Mundial, guardião das Grandes Corporações Econômicas reservam para à educação os seguintes parâmetros:

Escolas privadas pagas pelas empresa que deduzem as despesas da sua carga tributaria através de mecanismos como o "vale educação".

Escolas com níveis compatíveis aos das taxas de trabalhadores que se formam neste processo de reorganização do trabalho e da produção.

Escolas de ensino elementar, cuja complementação se fará a partir da função do trabalhador, respeitando a sua mobilidade através de um cuidadoso programa de treinamento.

Reintrodução de um neoeconomicismo voltado para utilização das novas tecnologias - particularmente na área de informação - mas não para o domínio desta tecnologia. É a humanidade que se integra a tecnologia e não a tecnologia que se ajusta a humanidade.

Esse filme é velho e rançoso, pois as redes pública de ensino no Brasil foram reorganizada e ampliadas no final nos anos 60 e 70 para preparar a mão-de-obra qualificada necessária ao modelo de acumulação de capital do chamado “milagre econômico”.

Este modelo se esgotou no final da década de 70, promovendo um longo período de crise, durante o turbulento período de transição, (78-91) que se efetiva a partir de 1991 (cuja o modelo ainda não se encontra totalmente definido). A crise do modelo econômico, também se abateu sobre todo o sistema de ensino.

Os empresários abriram mão da escola pública, pois já dispunha da mão de obra necessária – e também já haviam construído um sistema privado paralelo de educação, com o qual sonhavam controlar a responsabilidade social e financeira da gestão do ensino público, pois em educação não interessa muito o vender e comprar, o que realmente importa ao povo brasileiro, é que quem controla o saber tem em mãos uma ferramenta ideológica, ou seja, em última análise, controla a produção do conhecimento, além é claro de garantir uma fatia significativa desses recursos públicos para o setor privado.

 

"(...) o globalitarismo não tem por objetivo democratizar a ação pública, mas, principalmente, permitir a introdução de mecanismos gerenciais e incentivar os processos de privatização, deixando em nível local a decisão a respeito de como financiar, administrar e produzir serviços"

(Laurell, 1995, p. 174) 

 

"(...) atende ao objetivo econômico de abrir todas as atividades econômicas rentáveis aos investimentos privados, como o intuito de ampliar os âmbitos da acumulação, ao objetivo político-ideológico de remercantilizar o bem-estar social. 

(Laurell, 1995, p. 167)

O governo identificado – inclusive organicamente – com as classes dominantes, se viram com o controle das grandes máquinas administrativas que rendiam voto, além de empregar uma imensa massa de trabalhadores na educação, com grande disposição de reivindicação e mobilização.

A classe trabalhadora com melhor poder aquisitivo migrou seus filhos para o ensino privado – justificando-se pela "desorganização do ensino público" ou alegando questões de status social.

Na sua imensa maioria os pais da classe trabalhadora de menor poder aquisitivo, julgando-se ludibriada pela sua experiência de que a escola garantia ascensão social, quando não opta por empregar os seus filhos desde cedo na mercado de trabalho, vê a escola como uma mega-creche, e muitos, condicionados pelo senso comum requerem a retomada dos métodos disciplinares e formação dos valores morais conservadores, como função da educação.

 

As transformações no mundo da educação

“Se a humanidade quer Ter um futuro reconhecível, não pode ser pelo prolongamento do passado ou do presente. Se tentarmos construir o terceiro milênio nessa base, vamos fracassar. E o preço do fracasso (...) é a escuridão.”

(Eric Hobsbawm, 1995, pp. 562)

O desmonte da rede pública de ensino e a sua transição para o projeto globalitário se traduz na busca da "qualidade total no ensino", utilizando-se de métodos empresárias para a gestão da escola pública, chegando ao cumulo no Paraná, quando o estado construiu numa antiga vila operária abandonada em uma usina hidrelétrica (Faxinal do Céu-PR) a Universidade do Professor, e passou a gestão a cargo do Grupo Positivo, a maior rede particular de ensino de massa do estado do Paraná. Nada poderia estar mais distante da natureza da educação, que estas proposições. Mas a privatização não ficou só na gestão da qualificação do corpo docente, ela se ampliou para gestão administrativa, como na rede municipal de Curitiba e estadual do Paraná, que substituiu seus "coordenadores" e "chefes" por gerentes, fruto de um grande projeto orientado e coordenado diretamente pelo SEBRAE - um órgão, que até pouco tempo era responsável por formar dirigentes de pequenas empresas. Nesses episódios ficou evidente que o ensino deve ser balizado pelas regras do mercado – custo menor com a maior produtividade e rentabilidade, buscando a "gestão compartilhada" com a sociedade, em particular com os empresários.

 

O fim do ensino público

“(...) não há satisfação para todos. Não é que a produção necessária seja globalmente impossível. Mas o que é produzido – necessária ou desnecessariamente – é desigualmente distribuído. Daí a sensação e, depois, a consciência da escassez: aquilo que me falta a mim, mas que o outro mais bem situado na sociedade possui.”

(Milton Santos, 1996)

Com a debandada da escola pública de pais conscientes ou preocupados com a qualidade de ensino, que poderiam ajudar nas reivindicações e propostas para recuperar o sistema público de ensino. O destino desses pais foram muitos, alguns montaram cooperativas de ensino, outros procuram escolas alternativas com propostas avançadas de educação, outros caem nas garras do marketing das grandes redes de ensino de massa, durante esse processo, paralelamente o ensino público vai se esvaindo, e consolidando a base de um sistema perverso de ensino, pois as cooperativas de pais com maior poder aquisitivo vão oferecer ensino de melhor qualidade em relação a rede pública de menor poder aquisitivo. Fica ameaçado o caráter universal da escola.

 

Gestão Privada

“Durante muito tempo a comunicação libertou, porque significava difusão do saber, do conhecimento e da razão contra as superstições e obscurantismos. Agora, impondo-se como obrigação absoluta, inundando todos os aspectos da vida social, política, econômica e cultural, ela exerce uma espécie de tirania. E tende a tornar-se uma das grandes superstições de nosso tempo.”

(Ramonet, abril, 1997)

A transferência da gestão escolar e pedagógica para empresas privadas, que assumem o controle dos bens escolares públicos e depois recebem um pagamento, geralmente per capita dos órgãos para oferecer o ensino, o material didático e o treinamento para aplicação do material, em seminários de reciclagem. Esses tipos de empresas multiplicaram rapidamente, tais como: Editora Módulo, Editora Lago, Editora Educart, Editora Positivo, etc.

O principal problema está no fato de que uma empresa privada, vai sempre procurar reduzir o custo para maximizar os lucros. Assim o pagamento do poder público não vai ser aplicado visando a melhoria constante da qualidade de ensino. O melhor exemplo deste modelo, foi o projeto de "Micro-gestão privada do ensino" – as "escolas cooperativas" de Maringá, no Paraná, onde o município transformava alguns professores em micro-empresários, estes passavam a explorar a trabalho de seu colegas, enquanto ampliava a sua faixa de lucro reduzindo custos no gerenciamento dos pagamento per capita que recebia da prefeitura.

exemplos de empresas especializada por áreas, como inglês, educação artística e informática, e oferecem para as escolas estes serviços, como se estas disciplinas pudessem ser separadas das demais e os seus projetos pedagógicos fossem distintos de um projeto geral da escola.

Outro exemplo é o da mão de obra na educação, já não temos mais professores, mas sim orientadores, pois em muitos municípios brasileiros as aulas são transmitidas via satélites e captadas pelas parabólicas na escola, onde um orientador toma conta da turma e conduz os exercícios propostos. Outra modalidade é, ao invés de concurso ou contratação direta de professores e funcionários, é contratada uma empresa que presta serviço na área de educação. Assim a empresa vai se comprometer que um de seus funcionários, vai comparecer em determinados horários na sala de aula e ministrar a disciplina de geografia por exemplo.

Essa estratégia quebra a ação coletiva dos professores, necessária para a elaboração do projeto pedagógico além de ferir diversos direitos trabalhistas dos trabalhadores em educação. Isto já iniciou pelos serviços da escola, o que contribui para alienar ainda mais os funcionários técnicos administrativos do processo educacional.

 

Vale educação

Esta proposta garante as empresas cobrirem parcial ou integralmente os gastos com educação dos filhos de seus funcionários. Estes gastos depois é abatido da carga tributaria e de impostos da empresa.

Esta estratégia faz com que o estado deixe de arrecadar os tributos que deveriam ser investido na educação. Enquanto a empresa, pode interferir no estudo dos filhos de seus funcionários, inclusive muitas delas já dispõem de sua própria fundação. O que lhe interessa pois pode gestionar a retomada do modelo de ensino tecnicista garantindo a formação da mão-de-obra qualificada para o seu padrão de desenvolvimento industrial alienado da cidadania.

A instituição de vale-educação, alardeado por diversos candidatos na eleição presidencial de 1998, foi implementa em muitos lugares, como no sistema de ensino fundamental do município de Curitiba.

“Falou-se muito nos anos 70, que vivíamos na civilização da imagem. (...) Por outro lado a lógica tem por função simplificar, ou seja, aumentar seu campo de perfeição. Quando queremos ver, queremos ver cada vez mais, há uma amplificação que se desenvolve hoje, em escala mundial. Há uma grande ótica planetária, uma ótica não ótica, que vai modificar as relações humanas, políticas, sociais, econômicas e, é claro, não é apenas a televisão, são os sistemas de transmissão por satélites, as capacidades dos satélites espiões, das tecnologias militares de controlar incessantemente os territórios e a ação dos homens nas cidades através das câmeras.”

(Virilio, 1999)

Há uma proposta de que o Estado deveria deixar de financiar o sistema público superior de ensino e investir esta verba em bolsas de estudos que pagariam os estudos de alunos carentes, sem condições financeiras para estudarem em escolas particulares.

Nesta proposta as bolsas seriam compatíveis com os níveis de renda das famílias, o que promoveria ensino diferenciado para os diferentes grupos sociais, rompendo com o caráter universal do ensino público.

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* Professor de Geografia no Anglo e Ibpex, especialista em geopolítica. Autor de livros didáticos pela Editora Módulo. - voltar

Referência: CROCETTI, Zeno Soares. Educação globalitária. Revista Paranaense de Geografia,   5, Curitiba, pp. 31-48, 2000.

© Associação dos Geógrafos Brasileiros - seção Curitiba.

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