Nacionalismo étnico no final do século*

"Suponha-se que um dia, após uma guerra nuclear, um historiador intergaláctico pouse em um planeta então morto para inquirir sobre as causas da pequena e remota catástrofe registrada pelos sensores de sua galáxia... Após alguns estudos, nosso observador conclui que os últimos dois séculos da história humana do planeta Terra são incompreensíveis sem o entendimento do termo ‘nação’ e do vocabulário que dele deriva."

                                                                                                                                 Emir Sader

O fim das ilusões

historicidade

                    A combinação da crise econômica com o fim do bloco soviético e a emergência dos nacionalismos na periferia da república, deflagrou várias tentativas de golpes, culminando com o golpe de agosto de 1991, onde os opositores foram vencidos, destruindo o equilíbrio de poder ainda existente, dissolvendo as forças que sustentavam Gorbatchev. Nos últimos meses do ano, o império soviético fragmentou-se, acabando com a União Soviética.

                    O cenário pós-comunismo na Europa Oriental e na antiga União Soviética revela a crise geral dos Estados. A tumultuada transição da economia estatal e planificada para a economia de mercado provoca a desorganização das velhas estruturas produtivas, a desindustrialização e um desemprego crônico crescente. A liberação dos preços e a derrubada das barreiras comerciais protecionistas deflagram surtos inflacionários, com a conseqüente evaporação do poder de compra dos salários e a brutal desvalorização das poupanças.

                    Nesse ambiente econômico, florescem os nacionalismos étnicos. Em toda a Europa Oriental e nos territórios que pertenceram ao império soviético crescem as reivindicações separatistas de comunidades étnicas e culturais, como a atual crise na Tchetchênia, iniciada no final de 1994 e se arrastando sem solução em 1995.

                    O fim da União Soviética e da Guerra Fria, gerou uma Nova Ordem Mundial (Multipolarização), ou seja, uma nova organização geopolítica no globo, acabando com as bases da divisão em blocos sustentada pelo mundo bipolar. A nova Alemanha reunificada funciona como ponte entre as "duas Europas": a Comunidade Européia, hoje União Européia (UE), a oeste, e as economias em transição, a leste.

                    É preciso avaliar e analisar a defesa na União Européia, a partir dos próprios europeus, na visão de Edgar Morin:

            "A razão que milita em favor da unidade européia é de igual modo É a idéia metanacional. A forma do Estado-nação nasceu na Europa, ela fez parte da Europa, e a partir da Europa difundiu-se pelo mundo inteiro, com conseqüências a um tempo positivas e negativas. As conseqüências positivas residem no fato de ela ter permitido que numerosas nações tomassem consciência de si mesmas e se emancipassem, não só na Europa mas sobretudo no mundo: a vontade de ter um Estado nacional próprio desempenhou um papel importante na maioria dos processos de descolonização. As conseqüências negativas derivam do fato de o Estado-nação, depois de constituído e consolidado, ser acometido de uma espécie de egocentrismo paranóico que o torna nefasto aos outros e a si mesmo. Isto é ainda mais verdade se nos lembrarmos de que a idéia de Estado-nação fez nascer não só o patriotismo, ou seja, o amor concreto pelas raízes da identidade de cada um, pelos aspectos materiais de uma cultura, mas também o nacionalismo, atitude agressiva, intolerante, xenófoba, que tende em si mesma para o racismo. (...) Entramos na era mundializada desde a descoberta da América, e, após uma diáspora de dezenas de milhares de anos, todos os povos da humanidade se acham cada vez mais em comunicações, interações e interdependência.Mas ainda estamos na idade de ferro planetária; embora solidários, permanecemos inimigos uns dos outros, e o surto dos ódios de raça, religião, ideologia acarreta sempre guerras, massacres, torturas, rancores, desprezo. O mundo passa pelas dores agónicas de algo que não se sabe se é nascimento ou morte. A humanidade não consegue dar à luz a Humanidade."

 

Globalização da economia

                    A década de 90 começa com a economia mundial em profunda recessão e com quebra da estrutura bipolar de hegemonia estratégico-militar estabelecida desde o final da Segunda Guerra Mundial. Com a dissolução da URSS e o fim do bloco socialista na década de 80, os EUA passam a ser a única grande potência militar com poder de intervenção em todo o globo. Ao mesmo tempo, perdem a hegemonia econômica que exerciam desde meados do século e vivem uma crise que precipita a recessão mundial. Isto ocorre por razões internas e externas. As externas: o crescimento relativo da economia de outros países, como o Japão, que atualmente tem uma renda per capita maior que a dos EUA; o fortalecimento da União Européia, em especial da economia alemã; e também o surgimento de novas regiões industriais com alta competitividade, como os tigres asiáticos — Coréia, Taiwan, Cingapura, Hong Kong e Tailândia.

                    A crise estadunidense — Os EUA, ainda se mantêm no primeiro lugar em desenvolvimento científico e inovação tecnológica, mas perdem em engenharia de produção, especialmente para os países asiáticos, que têm demonstrado mais agilidade na incorporação do progresso técnico à produção. O resultado é a queda da competitividade das indústrias americanas frente aos concorrentes internacionais, inclusive dentro de seu próprio território, e o desemprego, atualmente na ordem de 12% da população economicamente ativa. No plano externo, ao mesmo tempo que defendem um mercado mundial sem barreiras comerciais, enfrentam competidores que praticam uma boa dose de protecionismo em suas fronteiras e onde o Estado intervém fortemente na economia, como no Japão e países da Europa. Em conseqüência, em 1983, os EUA registram pela primeira vez um déficit em sua balança comercial e balanço de pagamentos. Para compensar esse déficit é quebrada a paridade internacional entre o dólar e o ouro, até então indexadores da economia mundial. As moedas ficam flutuantes e cresce a inflação nos países desenvolvidos, retraindo-se a produção.

                    A reação externa norte-americana começa ainda no governo Bush, em duas linhas principais. A primeira, conduzida através do GATT (Acordo Geral de Tarifas e Comércio), tem por objetivo rebaixar as barreiras aduaneiras em todos os países, inclusive nos que praticam políticas protecionistas, aumentando assim o mercado para a produção industrial americana, que ainda é a maior do mundo. No Brasil, por exemplo, o fim das restrições às importações é um reflexo dessa política. O segundo passo é o Acordo Norte-Americano de Livre Comércio (NAFTA), que objetiva derrubar as barreiras alfandegárias entre México, EUA e Canadá, criando um bloco econômico para se contrapor à crescente integração européia. Internamente, o governo Bill Clinton começa a enfrentar a recessão, ampliando a intervenção do Estado na economia. Em 1993, apresenta um programa oficial de reciclagem de mão-de-obra para acelerar a incorporação do progresso técnico pela indústria e, assim, aumentar sua competitividade. Medidas protecionistas também são tomadas, com o Estado oferecendo apoio efetivo em algumas ações comerciais internacionais, como a defesa de patentes na indústria farmacêutica, e adotando sanções econômicas contra os países que se recusam a respeitá-las.

                    Novos blocos - O fortalecimento dos novos blocos econômicos é outra alteração da cena internacional em transição. A unificação da Europa, que ressurge como grande pólo econômico mundial, é fruto de uma política iniciada ainda nos anos 50, logo após o período de reconstrução das economias destruídas pela guerra. A Comunidade Econômica Européia, criada em 1957, tinha por objetivo aumentar a autonomia da região frente ao poderio dos EUA. Seus resultados, no entanto, extrapolam os limites estritamente econômicos e desembocam em uma política externa e de defesa comuns, a constituição de uma cidadania européia e o fortalecimento do Parlamento Europeu. O Tratado de Maastricht, assinado em fevereiro de 1992 pelos doze chefes de Estado da Comunidade Européia, estabelece um cronograma para a integração regional, mecanismos para equilibrar as políticas econômicas dos diferentes países e um fundo comum para auxiliar os parceiros mais pobres da comunidade (Espanha, Portugal e Grécia) nas reformas necessárias. Também fixa uma moeda única, o EURO (Unidade Econômica Européia), prevista para entrar em circulação em janeiro de 1999.

                    As expectativas em torno do NAFTA e do MERCOSUL são mais restritas. O NAFTA representa maior integração das economias do México e Canadá à estadunidense, consolidando uma relação já há muito estabelecida. Os destinos do MERCOSUL são menos evidentes. Reunindo países exportadores de matérias-primas e produtos semi-elaborados, como Chile e Argentina, e o Brasil, com uma base industrial diversificada mas em profunda crise econômica, pode se constituir como pólo dinamizador para as economias locais.

                    A nova inserção dos países do Leste europeu que pertenciam ao extinto bloco socialista também permanece indefinida. A perspectiva inicial de que rapidamente se transformariam em um novo e grande mercado a ser explorado pelos capitais internacionais ainda não se confirmou, especialmente pela indefinição de suas situações políticas internas. Para alguns, como a República Tcheca, Hungria e Polônia, a tendência é maior integração à União Européia. Outros, como Bulgária, Romênia e Eslováquia, embora tenham esse objetivo, estão mais distantes de sua realização. A crise política na Rússia e a guerra entre as nações que formavam a Iugoslávia não permitem prever sua posição no cenário político e econômico internacional.

                    A internacionalização dos fluxos de capitais e a integração das economias nacionais atingiram um patamar inédito. A nova ordem mundial não é mais estável ou segura que a ordem da Guerra Fria, essa nova globalização perversa que ganha força, ancorada pelos desfazedores de humanidades, os neoliberais, que aumentam exageradamente a produção com cada vez menos emprego. Se o espectro da catástrofe nuclear parece ter sido afastado, novos demônios tomaram-lhe o lugar. A emergência dos nacionalismos e da hostilidades étnica, o ressurgimento do racismo e da xenofobia e a multiplicação dos conflitos localizados evidenciam a componente de instabilidade introduzida pela decadência das velhas superpotências. O século vindouro não promete um mundo melhor para se viver que o século que se encerra.

 

As migrações internacionais

            "Dêem-me seus cansados, seus pobres. Suas massas em desordem, ansiando por respirar livres. Os infelizes rejeitados de suas costas cheias. Mandem-me esses, os desabrigados, os tangidos pela tempestade. Eu suspendi minha lâmpada ao lado da porta de ouro."

Emma Lazarus, O novo colosso, 1883, poema imortalizado na Estátua da Liberdade, na entrada do porto de Nova Iorque.)

                    As populações do mundo sempre se deslocaram de um lugar para o outro ao longo da história da humanidade, mais recentemente com as conquistas dos europeus de diversas partes do planeta, esse movimento adquiriu dimensões intercontinentais. Hoje as principais migrações internacionais têm causas econômicas: são transferências intercontinentais de força de trabalho de um país para outro, atravessando fronteiras política e desrespeitando leis locais.

                    A origem do movimento migratório é um país incapaz economicamente para absorver a força de trabalho. O destino do movimento migratório corresponde a uma economia que apresenta dinamismo e demanda de força de trabalho. Os países que oferecem essa condição hoje é o centro do sistema capitalista; EUA, Japão, Alemanha e demais países da Europa Ocidental.

 

Os "novos bárbaros" do Sul

                    Os países capitalistas desenvolvidos têm atraído forte imigração das áreas subdesenvolvidas, mais recentemente, dos países que adotavam o modelo soviético de socialismo. Os migrantes de ex-colônias e de outras áreas do Terceiro Mundo têm fornecido mão-de-obra que passou à concorrer com trabalhadores locais.

                    Diante da recente recessão, esses trabalhadores sente seus empregos ameaçados, abraçando movimentos nacionalistas fundamentados no sentimento de ódio ao estrangeiro (xenofobia). Multiplicando-se as ações violentas de grupos extremistas, a exemplo dos neonazistas skinheads na Alemanha.

                    Nas últimas décadas, a Europa Ocidental deixou de ser uma região de emigração, passando a receber cerca de 10 milhões de europeus orientais entre 1950 e 1990. Além disso, aos fluxos imigratórios provenientes das ex-colônias juntaram-se aos exilados políticos, somando mais de 5 milhões de pessoas.

                    Nos Estados Unidos, que sempre foi um país receptor de emigrantes, tem-se desenvolvido também uma crescente xenofobia. Desde de 1986 vigora uma rígida legislação restritiva a imigração, buscando conter, especialmente, o crescente fluxo de latino-americanos. Por exemplo, a população mexicana registrada oficialmente no país é de cerca de 12 milhões, porém, de 1986 a 1990, mais de 5 milhões de imigrantes mexicanos ilegais foram barrados pela polícia de fronteira dos Estados Unidos. Existem ainda outros grandes grupos latinos, com 1,5 milhão de cubanos na Flórida, e 1 milhão de porto-riquenhos em Nova Iorque.

                    Além da profunda aversão aos latino-americanos, tem crescido nos EUA o preconceito racial contra os negros. A discriminação e a segregação acobertam a crescente desigualdade social entre o grupo branco, anglo-saxão, protestante e todo os grupo sociais. Hoje cada três negros estadunidense habitantes das cidades um vive na miséria, enquanto entre os brancos a taxa é de um para cada sete. Nos últimos anos as desigualdades têm aumentado bem como as manifestações violentas dos diversos grupos étnicos, como ocorreu em Los Angeles, em maio de 1992, demonstrando preconceito raciais e sociais.

                    Os rendimentos da população mais rica o mundo que era 30 vezes maior que a população mais pobre em 1960, passou agora a mais de 60 vezes. Dentro desse processo de concentração, verificou-se que de 1975 a 1985 os países subdesenvolvidos remeteram cerca de 250 bilhões de dólares de divisas para os países do centro do capitalismo e, segundo o Relatório sobre o desenvolvimento Humano — 1992, publicado pela ONU, a transferências de recursos da periferia capitalista do Sul pobre para o centro capitalista do Norte rico, tem continuado até hoje na ordem de 21 bilhões de dólares ao ano em média.

                    A mesma lógica que define as relações do capitalismo em escala mundial determina também as desigualdades sociais para a maioria da população e a concentração de riquezas para uma elite privilegiada nas áreas periféricas do sistema. Segundo o relatório da ONU de 1992, no Brasil, por exemplo, os 20% mais ricos da população têm rendimento 26 vezes superior ao dos 20% mais pobre do país. Em alguns países, como a Nigéria, a extensão da miséria é tão grande que em sua capital, Lagos, a favela quase engoliu a cidade.

                    Nos últimos 30 anos a qualidade de vida dos países subdesenvolvidos vem diminuindo aos extremos:

                    Estima-se que ao redor do mundo pelo menos 6 milhões de pessoas abandonam seus países de origem, a maioria constituída de refugiados econômicos, políticos e religiosos. Especialistas prevêem que esse número tende a aumentar, motivando muitos países a criarem legislações restritivas, como "muros" que os defenda dos imigrantes. Numa alusão as invasões bárbaras que derrubaram o antigo Império Romano, sendo assim, tornou-se comum chamar esses migrantes de "novos bárbaros".

 

Xenofobia, a vingança eterna: colonialismo, neocolonialismo e separatismo

            "...a inércia converte-se no horizonte prioritário da atividade humana como a incapacidade de se mover para agir - torna-se símbolo de progresso e de domínio do meio. O ordenamento do território vê-se assim substituído pelo controle do meio ambiente, um controle onde o tempo real da teleação imediata; a tele-presença, à distância sobrepõe-se à presença efetiva das pessoas, de forma que doravante tudo acontece sem que seja necessário partir. (...) "

                                                                        (Paul Virilio, A Inércia Polar, 1993)

 

                    É preciso esclarecer que o ranço separatista tem sua herança no colonialismo, é bom esclarecer que o caldeirão cultural dos Bálcãs é fruto histórico de várias incursões estrangeiras, forjado e construído dentro de uma trilogia; o europeu (civilização mais avançada), dinheiro (economia monetarista) e deus (catequese e sujeição), essa trilogia foi também disseminada em todas as áreas coloniais do planeta.

                    A discussão contemporânea sobre separatismo desperta, no mínimo, dois tipos de expectativas aparentemente opostas. Para os que o reivindicam ele simboliza, em geral, a libertação política de uma ordem constitucional pretensamente violadora de certas tradições culturais (como o que acontece no Reino Unido com o IRA, e na Espanha com ETA.), tidas historicamente como as mais verdadeiras. Para aqueles que o repelem, o separatismo aparece como a manifestação de uma transgressão política inaceitável à ordem do Estado-nação. Por trás das divergências modernistas entre separatistas e unionistas existe, porém, um ponto em comum a ser assinalado, a saber: a onipotência vaidosa dos grupos sociais que reivindicam a representação legítima de certos interesses considerados como verdadeiramente nacionais - independentemente do sentido que o termo Nação adquire para tradicionalistas e modernistas. Nesta busca de legitimidades políticas, a maioria de indivíduos excluídos é freqüentemente manipulada por ambições suspeitas que ( exemplo na ex-Iugoslávia e na Rússia.), de acordo com as conveniências do momento, aparecem como bandeiras tanto da esquerda, IRA e ETA, como da direita, Canadá e Sérvia. Lucram com essas manobras apenas as corporações burocráticas, as oligarquias conservadoras e as classes privilegiadas. Por isso mesmo, as paixões que dominam o debate público sobre o tema separatismo deveriam ser obrigatoriamente temperadas por um certo realismo político capaz de enxergar o perigo totalitário da fetichização do sujeito desejante, que se desenha nos vazios produzidos pelas fragmentações dos planos constitucionais. Pois a alienação do sujeito tem como contrapartida a tirania do objeto, o qual tende a aparecer, perigosamente, como mestre dos mestres na construção das significações imaginárias.

                    Também a descolonização forçada e a formação de Estados orientados pelos europeus, gerou conflitos e áreas de desestabilidade, pois as fronteiras eram artificiais, fixadas pelos europeus, e não conseguiu criar, gerar um sentimento de unidade nacional entre os vários grupos étnicos, que sempre tinham vividos separados e independentes antes na colonização. Esses conflitos geralmente são solucionados por intervenções da ONU ou das grandes potências, gerando um clima de debilidade entre as "novas" nações.

 

Nacionalismo racial

                    As frustrações com relação ao poder por parte dos grupos orientados para a hegemonia política é, portanto, dispostos a constituir-se em grupos socialmente dominantes, conduziram freqüentemente a formulações de doutrinas em que a teoria racial (o cimento que une) acompanha os objetivos políticos.

                    O nacionalismo racial surgiu dessas necessidades, isto é, dar uma resposta as frustrações com relação ao poder, tendo como objetivo comum; conseguir fundamentalmente, o "poder nacional" para o grupo político e depois obter a expansão internacional do país, mediante a justificativa de um "destino nacional" cuja realidade vai mais além das suas próprias fronteiras iniciais, como exemplo os sérvios na Iugoslávia, ou como escreveu Ernest Gellner,

            "...nacionalismo é, essencialmente um princípio político que defende que a unidade nacional e a unidade política devem corresponder uma à outra. (...) O nacionalismo, deve ser entendido a partir desse princípio. O sentimento nacionalista é o estado de cólera causado pela violação desses princípio ou estado de satisfação causado pela sua realização. (...)" ou pela pena de Hitler, (...) "A Áustria alemã deve regressar ao seio da grande pátria alemã, e isso, não em virtude de quaisquer razões econômicas. Não, não: mesmo que esta fusão, economicamente falando, seja indiferente ou mesmo prejudicial, deve mesmo assim efetuar-se. O mesmo sangue pertence a um mesmo império. O povo alemão não terá qualquer direito a uma atividade política colonial enquanto não tiver podido reunir os seus próprios filhos num mesmo Estado. Quando o território do Reich contiver todos os alemães, se se verificar que ele é incapaz de alimentá-los, da necessidade deste povo nascerá o seu direito moral de adquirir terras estrangeiras. O arado dará então lugar à espada, e as lágrimas da guerra prepararão as colheitas do mundo futuro. (...) todo o cruzamento entre dois seres de valor desigual na escala biológica dá, como produto, um meio termo entre os dois pontos ocupados pelos pais. Significa isto que o filho chegará provavelmente a uma situação mais alta do que a um de seus pais (o inferior) mas não atingirá todavia a altura superior em raça. mas tarde será por conseguinte, derrotado na luta com os superiores. Semelhante união está porém em franco desacordo com a vontade da natureza, que, de um modo geral, visa o aperfeiçoamento da vida na procriação. Essa hipótese não se apóia na ligação de elementos superiores com inferiores mas na vitória incondicional dos primeiros. O papel dos mais fortes é dominar. Não se deve misturar com o mais fraco, sacrificando assim a grandeza própria (...) Esse instinto que vigora em toda a natureza, essa tendência para a pureza racial, tem por conseqüência não só levantar uma barreira poderosa entre cada raça e o mundo exterior, como também uniformizar as disposições naturais."

                    Fica evidente que o nacionalismo racial serve de pretexto para avalizar políticos expansionistas no poder. Sabe-se de táticas antropológicas históricas étnicas ou de filosofia histórica, onde nomes ilustres de um país ou de uma nação, são usados como exemplos que demonstrem excelência racial, e sobreponha um outro povo. Nesse sentido os ingredientes para a mobilização nacional são os conceitos de "pátria" e de "nação" , eles são mobilizados num sentido emocional e místico.

                    Geralmente os povos possuem um tipo de exaltação étnica ou nacional, e aqueles que se orientaram no sentido da expansão imperialista fizeram-no sempre recorrendo ao emprego de conceitos glorificadores capazes de integrarem os entusiasmos políticos dos seus povos numa idéia comum. O racismo é, uma expressão política do nacionalismo.

                    Independentes das conjunturas históricas em que se exprime o racismo, o conceito de raça é o núcleo aglutinador de atitudes nacionalistas. A idéia é forjar uma consciência popular das possibilidades criadoras de uma nação a partir da confiança dos seus súditos nas virtudes e qualidades inatos da raça a que pertencem. Esta consciência é proporcionada, geralmente, sob a forma de uma mística nacional, capaz de sobrepor-se a toda a consciência de classe.

                    Concluindo, sempre por trás duma concepção racista abriga-se sempre uma filosofia aristocrática e elitista do poder. Segundo essa ótica o nacionalismo racial costuma interpretar os dados antropológicos segundo os seus fins e pode modificar a interpretação cada vez que se alterem as circunstâncias políticas. Exemplificando, nos primeiros momentos do imperialismo alemão, ser teutão era ser ariano de cabeça alongada e de cabelo loiro, logo depois, descobriram que nem todos alemães eram loiros, o conceito alargou-se à idéia de "alma" ou "espírito" alemão, e então o culto do "alemão" tornou-se uma adaptação menos científica e mais culturalista. No 3º Reich, a manipulação do nacionalismo racial fez-se dentro do sistema de conveniências políticas.

 

Nacionalismo racial com limpeza étnica

                    Na antiga Iugoslávia a guerra começou com a intervenção na Eslovênia em 27 de junho de 1991, por parte do exército federal, com o pretexto de preservar a unidade do país. O exército popular iugoslavo era comandado na sua maioria (60%) por oficiais sérvios, pouco a pouco se transformou em um exército sérvio, cujo objetivo era reunir todos os sérvios, e criar a grande Sérvia. Na Iugoslávia de Tito, conviviam vários grupos étnicos, tais como; croatas, sérvios, eslovenos, muçulmanos, macedônios, albaneses, magiares, montenegrinos, roms (ciganos), búlgaros, romenos, turcos, eslovacos, e outras minorias.

                    Portanto, a guerra logo ganhou um caráter inter-étnico, com muita agitação, e, em seguida, a revolta armada. A questão básica esta localizada nos "enclaves" . Massacres de civis se sucederam, sem que a comunidade internacional fosse capaz de transformar em ações seu compromisso de defender a Bósnia da guerra de agressão patrocinada pelo governo de Belgrado. Com o apoio do poderoso Exército iugoslavo, as milícias sérvias já conquistaram todo o território que almejavam na Bósnia (cerca de 70% do país, de maioria muçulmana) e mantêm sua capital, Saraievo, sob impiedoso bombardeio. Consumado o triunfo sérvio, os croatas, antes aliados do governo de Saraievo, trataram de abocanhar também a sua fatia. A soberania Bósnia ficou reduzida à capital e alguns enclaves protegidos pelos capacetes-azuis das Nações Unidas.

                    Transmitido pela televisão, o calvário da população civil colocou os governos ocidentais na obrigação de "fazer alguma coisa" em favor da Bósnia. Na prática, os ensaios de interferência externa atrapalharam mais do que ajudaram. O presidente americano Bill Clinton iniciou seu mandato disposto a jogar duro para deter a agressão e, em abril, chegou a ameaçar os sérvios com o bombardeio aéreo. Foi um fiasco. Sem o aval dos aliados europeus, Clinton teve de voltar atrás, num recuo que só serviu para encorajar os sérvios a prosseguir a guerra de conquista. No final do ano, a única chance de deter a carnificina era a proposta de paz elaborada pelos mediadores da ONU, lorde Owen e Thorvald Stoltenberg. O plano, já aceito por sérvios e croatas, oficializa o desmembramento da Bósnia em três mini estados, formados com base em critérios étnicos, e oferece aos muçulmanos 30% do território do país - bem mais do que os 10% sob controle do governo de Saraievo. Mesmo assim, o presidente bósnio Alija Izetbegovic recusou o acordo, sob o argumento de que significa "um prêmio ao genocídio". É verdade, mas a alternativa é ainda pior: prosseguir, até o fim e sem a menor perspectiva de vitória, uma guerra que já causou mais de 150 mil mortos e expulsou de suas casas 12 milhões de pessoas.

                    A tragédia nos Bálcãs é acompanhada com ansiedade e pavor pela Rússia, temerosa de que o desmanche da URSS transforme o finado império numa Iugoslávia gigante e com um arsenal atômico suficiente para incinerar várias vezes o planeta. Até agora, felizmente, as turbulências do pós-comunismo estão restritas às repúblicas periféricas, nenhuma delas equipada com mísseis nucleares - o que não atenua seu rastro de dor e de destruição. A ex-URSS é palco de mais de cinqüenta conflitos étnicos diferentes, a maior parte escaramuças isoladas, em alguns casos guerras totais, como a que opõe os cristãos armênios aos muçulmanos azeris na disputa pelo montanhoso enclave de Nagorno-Karabakh. A região, habitada majoritariamente por armênios, está situada dentro do Azerbaidjão, que se recusa a devolvê-la à vizinha Armênia. Milhares de pessoas morreram quando os armênios, numa ofensiva em abril de 1996, conquistaram a faixa de território que separa sua república do enclave.

 

O fim da história

            Todo Estado, está ‘necessariamente’ em luta com o mundo exterior para defender e garantir o espaço que possui, e todo Estado solidamente organizado procura ampliar o seu território, seja porque essa ampliação lhe proporcione recursos mais abundantes e mais variados, seja porque garante mais segurança. (...) Os cidadãos de um Estado de grande extensão têm vistas largas, porque dispõem de meios de existência variados e de uma grande liberdade de movimentos, enquanto os povos que ocupam um ‘pequeno espaço’ têm geralmente disposições de espírito mais tímidos ou mais modestos. O espaço é, uma ‘força política’. O estado é um ‘ser vivo que cresce’, os pequenos Estados não tem futuro.

Ratzel

 

A história não acabou!

                    O fim da polarização do mundo em duas grandes potências faz emergir muitas guerras e tensões antes contidas. Em 1989, ano da queda do Muro de Berlim, o filósofo Francis Fukuyama agitou os meios acadêmicos dos Estados Unidos com um provocativo artigo em que defendia a tese do "o fim da História". Pintando em tonalidades róseas o panorama do mundo pós-guerra fria, Fukuyama apontava o triunfo universal dos valores do capitalismo e do livre mercado como o limiar de uma nova era, na qual os conflitos armados perderiam gradualmente a razão de existir. Quatro anos depois, suas profecias pareciam ainda mais distantes da realidade do que quando foram proferidas. Um relatório divulgado em 1993 pela World Priorities, instituto independente com sede em Washington, assinalava um número recorde de 29 guerras de grandes proporções — ou seja, aquelas que envolvem um ou mais governos e causam pelo menos mil mortes no período de um ano, segundo o critério adotado pela entidade. "No lugar de uma guerra fria entre dois gigantes, um mundo perturbado se vê diante de uma epidemia de violência étnica e guerras civis", constata o relatório.

                    De certa maneira, a teoria do "choque das civilizações" traduz a ressaca que tomou conta do Ocidente depois da dupla euforia da morte do comunismo e da bem-sucedida expedição militar contra o Iraque, em 1991. Em vez da "nova ordem mundial" trombeteada pelo presidente americano George Bush, instaurou-se o tumulto em escala planetária. A humanidade está momentaneamente livre, é verdade, do fantasma do holocausto nuclear, mas o cenário mundial se tornou muito mais instável. Antes, a queda-de-braço entre as superpotências fornecia a chave para a compreensão de praticamente todos os conflitos do planeta, da Nicarágua ao Afeganistão. Hoje, assiste-se a uma caótica explosão de agressividade cuja força motriz já não é a luta de classes, mas a raça, a religião a nacionalidade. Todo um caldeirão de ódios e ressentimentos, abafado pelo totalitarismo comunista, veio à tona com força redobrada. "É espantoso perceber como, depois de décadas de manipulação ideológica, nada foi esquecido", observou o presidente tcheco Václav Havel, numa palestra em abril de 1993. "As nações estão relembrando suas antigas conquistas e sofrimentos, seus inimigos e aliados, seus Estados e fronteiras."

                    No contexto da "nova (des)ordem mundial", os conflitos deixaram de ter a coerência e a previsibilidade que lhes conferia o embate ideológico. Em muitos casos, governos imploram pelo envio de forças da ONU para salvar seus países da desagregação e do assassinato em massa. Nas capitais do mundo desenvolvido, discute-se o direito de intervir em países soberanos, para socorrer populações ameaçadas de genocídio - um debate que aflorou quando o regime de Saddam Hussein lançou a campanha de extermínio contra os curdos, logo após sua derrota na Guerra do Golfo.

                    Os percalços da Somália convenceram Clinton a adotar uma política mais cautelosa quanto à participação do país em missões militares da ONU. "As Nações Unidas simplesmente não podem se engajar em cada um dos conflitos do mundo", disse o presidente americano em discurso na Assembléia Geral da organização. Por trás da nova postura, detecta-se um fenômeno presente desde a Guerra do Vietnã em todas as sociedades desenvolvidas: a opinião pública não está mais disposta a aceitar um grande número de baixas entre seus soldados no exterior. A Guerra do Golfo, por exemplo, só foi popular por ter sido resolvida com rapidez e poucas vítimas do lado ocidental, graças à utilização maciça de armas de alta tecnologia. Esse é um indício de que algo está mudando, e para melhor, em relação às guerras. A vida humana começa a valer mais nos países ricos.

                    Há motivos para otimismo. O contato entre as diversas civilizações não implica necessariamente conflito, mas também influência mútua e cooperação. Mesmo quando ocorrem guerras, como na Iugoslávia, a manipulação da animosidade entre os povos por líderes políticos demagógicos pesa mais na balança do que as diferenças de costumes ou religiões. Em qualquer caso, a prosperidade - ou a sua ausência - parece ser um elemento importante para se determinar se um conflito vai terminar em tiroteio ou em pizza. Apesar das profecias alarmistas de uma guerra comercial, Japão e EUA - competidores econômicos e de acordo com o figurino de Huntington sobre o choque das civilizações - acabaram aparando suas arestas sobre a abertura de mercados. De modo similar, nada indica que a eterna pendência entre os canadenses de origem francesa e inglesa vá desaguar em pancadaria. Não por acaso, 99% dos 149 conflitos que eclodiram no mundo depois da II Guerra ocorreram em países atrasados, de acordo com o relatório da World Priorities. Guerra, deduz-se, é uma doença que assola de preferência os países pobres. O remédio, se é que existe algum, chama-se desenvolvimento.

            "Dêem-me o mapa de um país, sua configuração, seu clima, suas águas, seus ventos e toda a sua geografia física, sua produção natural, sua flora e fauna etc. e eu me engarregarei de dizer-lhes, a priori, que tipo de homem haverá nesse país e que papel esse mesmo país representará na história, não alietoriamente, em uma época, mas em todas..."

Victor Cousin

Referências

  1. BRAILLARD, Philippe. Teoria das relações internacionais. Lisboa, Calouste Gulbenkian, 1990
  2. CHÂTELET, François et alii. História das idéias políticas. Rio de Janeiro, Zahar, 1985
  3. ------ & PISIER-HOUCHNER, Elelyne. As concepções políticas do século XX: História do pensamento político. Rio de Janeiro, Zahar, 1983
  4. GELLNER, Ernest. Nações e nacionalismo. Lisboa, Gradiva, 1993 - voltar
  5. HARVEY, David. Condição pós-moderna. São Paulo, Loyola, 1992
  6. HOBSBAWM, Eric J. Nações e nacionalismo desde 1780. São Paulo, Paz e Terra, 1991
  7. KENNEDY, Paul. Ascensão e queda das grandes potências. 5ª ed., Rio de Janeiro, Campus, 1990
  8. MORIN, Edgar. Os problemas do fim de século. Lisboa, Notícias, 1993 - voltar
  9. POLANYI, Karl. A grande transformação: As origens da nossa época. 3ª ed. Rio de Janeiro, Campus, 1990
  10. RATZEL, . (org) Antonio Robert Morais. São Paulo, Ática, 1993 - voltar
  11. RENOUVIN, P. & DUROSELLE, J. B. Introdução à história das relações internacionais. São Paulo, DIFEL, 1967
  12. SCHILLING, Voltaire. O nazismo. 2ª ed. Porto Alegre, UFRGS, 1990
  13. VIRILIO, Paul. A inércia polar. Lisboa, Dom Quixote, 1993 - voltar

* Artigo apresentado no 1º Encontro Paulista de Professores: Fala Professor, na mesa-redonda Nacionalismo étnico no final do século, na UNICAMP, Campinas, julho de 1993 - voltar

** Professor da rede pública e particular de Curitiba, foi presidente da AGB no período de 1992/94, atualmente é editor da Revista Terra Livre. - voltar

Referência: CROCETTI, Zeno Soares. Nacionalismo Étnico no final do século. Revista Paranaense de Geografia, Nº 1, Curitiba, pp. 56-73, 1996

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