Brasil, País do Futuro*

(o cotidiano da barbárie)

 

 

 

                                                                                            Zeno Soares Crocetti

                                                                              Presidente da AGB

 

 

 

Este século começou com a sensação de futuro, que no final os homens teriam um mundo utópico, graças ao avanço técnico. “Haveria unidade mundial, paz mundial e um sistema ético construído sem superstições sobre a morte”. 1

Mesmo com todo o avanço da tecnologia das pesquisas, a era pós-industrial não conseguiu nenhuma ruptura do modo de produção, ontem e hoje, continuamos vivendo numa economia capitalista, ainda baseada na expropriação privada do excedente.

O Brasil nestes últimos vinte anos deu mostra de enorme potencial cívico. A cada ano houve uma quase embriaguez com alguma causa relevante de âmbito político e nacional: as diretas-já em 1984. o fim do governo autoritário militar e a agonia de Tancredo Neves em 1985. O Plano Cruzado em 86. o Plano Bresser em 87, o Plano Feijão com Arroz do Maílson em 88. O Plano Verão em 89, junto às eleições gerais e para presidente depois de uma longa ditadura. O plano Collor 1 em 90 e o Plano Collor II em 92. junto com a implantação gradual do neoliberalismo junto com o primeiro grupo de privatizações do patrimônio público, a corrupção e podridão da Elite brasileira. O Impeachment em 1992 e 1993 o plebiscito de forma e regime de governo além da revisão constitucional.

O ano de 1994 começa com implantação do Consenso de Washington, via Plano Real, antecedido da URV. Depois com a eleição de FHC de 1995 a 1998, vieram as mobilizações da sociedade civil organizada contra as privatizações e emendas a constituição, que expurgariam direitos sociais e econômicos. Em 1998 começou com denuncias de corrupção a emenda da reeleição de FHC, onde ocorreu compra de votos para aprovar a emenda da reeleição. O Segundo mandato de FHC de 1999 a 2002, teve início com denuncias de corrupção nos leilões das privatizações, derrubou através de gravações de conversas telefônicas, os Mendonça de Barros. O ano de 2002 foi marcado por manifestações populares contra FHC, e de apoio irrestrito ao Lula para presidente.

Já no final de 2004 e durante todo o 2005, o governo Lula passou mergulhado numa crise política sem fim, sua base aliada se envolveu em denuncias de pagamento de mesadas em troca de aprovação de leis no Congresso Nacional. Tivemos também uma campanha nunca antes vista contra a instabilidade de um presidente eleito na história do Brasil. A direita aproveitou a crise política, se juntou com a elite mais conservadora do Brasil e orquestrou uma campanha nacional pela desestabilização do governo Lula com golpes baixos e muitas denuncias plantadas em alguns veículos de comunicação.

Em todos esses casos, a emoção (esperança ou tristeza) extrapolou a vivência pessoal para se projetar em dimensão mais ampla, política. O civismo assim, a uma média de cada doze meses, retemperou-se numa causa empolgante, a pedir a todos alguma participação: passeatas ou comícios, preces e pranto, fiscalização. As eleições que intermediaram esses fatos não pediram nem produziram isso, e politicamente têm menos importância do que as vinte grandes mobilizações. Mas destas ficou uma sensação de malogro e, para muitos, até de traição.

A crise econômica e social do Brasil está absorvendo todas as atenções, impede que se enxergue um pouco mais longe, que se perceba o alcance das decisões a serem tomadas no próximo mês. Estranhará, então que essas mobilizações sejam mal sucedidas e tenham fôlego curto. e ainda sejam traídas pelos que os clamam à rua?

Precisamos resgatar a sociedade brasileira desse atoleiro histórico, que formou o povo brasileiro através de elementos díspares e sempre estivemos sujeitos ao revés, que mostram os caminhos impostos, esses para atender sempre os interesses alheios, essa subserviência secular impediram nosso desenvolvimento, nunca criamos uma sociedade nacional que viesse ao encontro dos nossos interesses.

Portanto, através desses mecanismos fomos condenados à ignorância, viramos uma espécie de subproduto indesejado, gestado no empreendimento colonial, cujo objetivo era criar riquezas, gerar lucros exportáveis. Desse processo surge a geração de saqueadores do presente que vão pouco a pouco canibalizando o futuro; a história e substituída pelo historicismo, nos privando da capacidade de uma maior interação com o passado de uma forma autêntica, sem nenhuma ligação com o futuro, pois o pós-moderno só existe no presente, – um presente mutilado, sem nenhuma relação concreta com o passado. Assim sendo, ficamos alijados da noção de tempo, expostos a fragmentos, sem nenhuma relação histórica, estamos sendo privados da nossa história.

Dessa maneira é preciso resgatar nossa cidadania, para atender as demandas da sociedade, pois a necessidade de um projeto integralizante para o Brasil, faz-se a partir da prática, ou pelo menos, deve levá-la em conta. Não consigamos imaginar que burocratas pensantes de plantão, possam retirar da sociedade brasileira “a penosa tarefa da reflexão”, exatamente numa época em que a razão instituída pretende negar a razão do espaço concreto, congelando-o e mantendo-o decorativo.

Não nos interessa o espaço congelado, que escamoteia a realidade, subverte a verdade, dentro de um certo sentido, predeterminado e simétrico, decorativo e instituído que nega a possibilidade da reflexão,impedindo a mudança. O que realmente nos interessa é o inverso: é mostrar um Brasil comprometido com as lutas e demandas voltadas para a construção de uma sociedade mais justa e democrática. Queremos mostrar o espaço da determinação, o espaço da verdade – pelo processo histórico/social da sua fabricação – de sua construção, uma vez que o espaço meramente contemplativo, congelado, gera alienação: ele caracteriza a neutralidade e objetiva nada desvendar, mascarando e escondendo o espaço real.

Portanto a mudança, ou não do sistema político, como temos acompanhado hoje, não produzirá milagres, mas pode ser uma condição necessária para que comecemos a nos governar democraticamente. O que conduz o Brasil a esse Caos, é a ausência de um Projeto Nacional ao país, isso só é possível através da expressão de um consenso de forças políticas em torno de prioridades, ou seja, buscar nas divergências de opiniões uma unidade de objetivos e propósitos a se alcançar. Se não temos um projeto, não sabemos o que deve vir antes ou depois.

 

(*) Publicado no interseções nº. 1, São Paulo: AGB, maio de 1993, p. 3-4. Atualizado em 2006.

(1) Hillel Shwartz. “Century´s End”, p. 278.

 

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