O horror econômico.    FORRESTER, Viviane. 

 

 "O desemprego invade hoje todos os níveis de todas as classes sociais, acarretando miséria, insegurança, sentimento de vergonha, em razão essencialmente dos descaminhos de uma sociedade que o considera uma exceção à regra geral estabelecida para sempre. Uma sociedade que pretende seguir seu caminho por uma via que não existe mais, em vez de procurar outras. (...) Resulta daí a marginalização impiedosa e passiva do número imenso, e constantemente ampliado, de 'solicitantes de emprego que, ironia, pelo próprio fato de se terem tornado tais, atingiram uma norma contemporânea; norma que não é admitida como tal nem mesmo pelos excluídos do trabalho, a tal ponto que estes são os primeiros a se considerar incompatíveis com uma sociedade da qual eles são os produtos mais naturais. São levados a se considerar indignos dela e, sobretudo, responsáveis pela sua própria situação, que julgam degradante (já que degradada) e até censurável. Eles se acusam daquilo de que são vítimas. (...)

Não se sabe se é cômico ou sinistro, por ocasião de uma perpétua, irremovível e crescente penúria de empregos, impor a cada um dos milhões de desempregados – e isso a cada dia útil de cada semana, de cada mês, de cada ano – a procura efetiva e permanente desse trabalho que não existe. Obrigá-lo a passar horas, durante dias, semanas, meses e, às vezes, anos se oferecendo todo dia, toda semana, todo mês, todo ano, em vão, barrado previamente pelas estatísticas. (...)

 É dessa maneira que se prepara uma sociedade de escravos, aos quais só a escravidão conferiria um estatuto. Mas para que se entulhar de escravos, se o trabalho deles é supérfluo? (...) Não é pouca coisa que toda uma população (no sentido apreciado pelos sociólogos) seja mansamente conduzida por uma sociedade lúcida e sofisticada até os extremos da vertigem e da fragilidade: até as fronteiras da morte e, às vezes, mais além. (...) " (Forrester)

 

A sociedade de escravos

                    No mundo atual – das multinacionais, do liberalismo absoluto, da globalização, da mundialização, da virtualidade –, o "trabalho", concebido como o conjunto de emprego mais assalariados, é conceito obsoleto, um parasita sem utilidade. A mudança se dá na natureza mesma do capital: que já não é aquele que expunha as garantias do capitalismo de ordem imobiliária; que já não é aquele em que o conjunto dos homens era indispensável para produzir lucro.

                    No atual modelo econômico que se instala no mundo – sob o signo da cibernética, da automação, das tecnologias revolucionárias –, o trabalhador é supérfluo e está condenado a passar da exclusão social à eliminação total.

                    Viviane Forrester num tom de sagrada indignação, denuncia a globalização como a implacável geradora da exclusão social da nova era, aquela representada pela multidão crescente dos desempregados. O silêncio reinante no mundo intelectual diante do que está acontecendo levou a romancista, ensaísta e crítica literária a sair de sua rotina para vir dizer a todos os iludidos que as promessas paradisíacas da tecnologia e do consumo estão, na verdade, conduzindo a um pesadelo do qual ninguém sabe como sairemos.

                    Viviane Forrester não se deixa enganar pelo discurso do "pensamento único", segundo o qual as maravilhas do capitalismo pós-moderno estão inaugurando a grande nação planetária, preconizada na Carta das Nações Unidas e no pensamento dos utopistas.

                    O trabalho morreu, só nos falta a coragem para enterrá-lo. No mesmo túmulo, é preciso acomodar seu sósia e seu irmão gêmeo, igualmente defuntos: o emprego e o desemprego. A morte foi causada pelo distanciamento desastroso entre o território do trabalho e o da economia. No mundo atual – das multinacionais, do liberalismo absoluto, da globalização, da mundialização, da virtualidade –, o "trabalho", concebido como o conjunto de emprego mais assalariados, é conceito obsoleto, um parasita sem utilidade.

                    As multidões que diariamente batem às portas das fábricas em busca de um emprego continuarão a praticar em vão esse humilhante exercício até o fim dos seus dias. Empregos extintos não serão recriados, porquanto substituídos pela automação inteligente, pela informatização prodigiosa.

                    A alucinante velocidade do capital não corresponde à mobilidade do trabalhador. O capital se desloca à velocidade da luz, pela fibra ótica das comunicações internacionais, em busca de melhor remuneração. As fábricas podem mudar de país com igual facilidade, instalando-se onde a mão-de-obra é menos exigente, mas o trabalhador está amarrado às suas contingências, às suas restrições físicas; assim, vai aceitando condições contratuais cada vez piores, tentando escapar ao desespero do desemprego e à dependência da assistência pública.

                    Os fervorosos da globalização procuram dourar a pílula, afirmando que as exclusões de hoje são transitórias, que oportunamente brilhará o sol da plena distribuição dos frutos do progresso. Viviane considera tudo isso pseudoverdades e aponta perspectivas sombrias para o gênero humano, a perdurar a atual tendência.

 

A exclusão absoluta

"Por acaso os habitantes de outros bairros vêm perambular nesses subúrbios tão próximos, tangentes às cidades de que estão separados? Não, porque eles são considerados, muitas vezes com razão, perigosos. Mas será que se imagina que seus ocupantes já foram, eles próprios, empurrados para o meio daquele perigo que cada um teme: a exclusão social permanente, absoluta, a ponto de ser banalizada? (...)

Entre esses 'jovens', esses habitantes dos bairros que chamamos 'difíceis' (mas que são justamente aqueles onde pessoas em grande dificuldade tentam viver), não são os nomes de metralhadoras, mas o vazio o que substitui o nome de Mallarmé. O vazio e a ausência de qualquer projeto, de qualquer futuro, de qualquer felicidade pelo menos visualizada, da mínima esperança, mas que determinado saber poderia compensar, suscitando até certo prazer em percorrer esses caminhos que levam ao nome de Mallarmé. (...)

 O ensino? Para esses alunos, poderia tratar-se de uma doação, de uma distribuição do que existe de melhor, de uma porção mágica autorizada, mas também de um único e último recurso. Um mínimo muito restrito lhes é proposto, interrompido o mais cedo possível. E essa noção de 'última chance', que sublinha sua miséria e o perigo que os ameaça, suscita, tanto nos professores como nos alunos, uma angústia insidiosa que exaspera as tensões." 

 

                     E o que propõe a discutida autora de "O Horror Econômico"?

                    Propõe a revolução do pensamento, a recuperação da capacidade crítica dos indivíduos para que eles saiam do entorpecimento geral, que abre espaço para todas as manobras do poder do mercado.

                    O decantado fenômeno da globalização não passa da maior estratégia de marketing da história da civilização ocidental. Agora, diante do livro de Viviane Forrester, não podemos aceitar um mundo feito de úteis e inúteis, o progresso da ciência, da tecnologia, da agricultura e da indústria compõe o patrimônio de toda a humanidade, e é a toda a humanidade que deve servir.


* Diretor da AGB Curitiba. Autor de A Construção do Espaço, pela Ed. Módulo - voltar

Referência: CROCETTI, Zeno Soares. Resenha: Horror dos Excluídos, O. Revista Paranaense de Geografia, Nº 2, Curitiba, pp. 84-86, 1997

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