Resenha de:

SANTOS, Milton - Por uma outra globalização: do pensamento
único à consciência universal, Rio de Janeiro, Record, 2000, pp. 176

O avesso, do avesso, por outra centralidade nos 500 anos

 

"A idéia da irreversibilidade da globalização atual é aparentemente reforçada cada vez que constatamos a inter-relação atual entre cada país e o que chamamos de ‘mundo’, assim como a interdependência, hoje indiscutível, entre a história geral e as histórias particulares. Na verdade, isso também tem a ver com a idéia, também estabelecida, de que a história seria sempre feita a partir dos países centrais, isto é, da Europa e dos Estados Unidos, aos quais, de modo geral, o presente estado de coisas interessa" [1]

    Nesta obra, o geógrafo Milton Santos defende a idéia de que é preciso uma nova interpretação do mundo contemporâneo, uma análise multidisciplinar, que tenha condições de destacar a ideologia na produção da história, além de mostrar os limites do seu discurso frente à realidade vivida pela maioria dos países do mundo.

O livro está estruturado em seis capítulos;

 a) Introdução a globalização como fábula, como perversidade e a possibilidade de outra globalização, pois a questão social não se reduz à constatação da tragédia social dos excluídos, tampouco se confunde com formas de "gestão de problemas sociais" por meio de políticas focalizadas, seletivas e localizadas e vai além do apelo a uma vaga solidariedade moral.

 b) A produção da globalização, são as teses mais instigantes, acerca de países "semiperiféricos" como o nosso, que têm toda sua estratégia econômica alicerçada no desejo de assumir uma vaga no "primeiro mundo" e, por isso, são bem-comportados aplicadores do receituário neoliberal.  No caso do Brasil, FHC aposta num modelo de desenvolvimento que busca a modernização produtiva "forçada" – vinda de fora –, induzida, por exemplo, pela "abertura" que sucateia o nosso parque industrial de bens de capital.  Assim, o caminho do Brasil, dirigido pelo teórico da dependência, é o caminho da dependência subordinada assumida. É uma relação de cooperação submissa e permanente, como já demostrou Arrighi, quando ele disseca as relações da centralidade do "núcleo orgânico" com as periferias do atual sistema mundial de dominação.

                    c) Uma globalização perversa

                    d) O território do dinheiro e da fragmentação

                    e) Limites à globalização perversa

                    f) A transição em marcha

                    Fazendo uma avaliação da modalidade atual de "desenvolvimento", do pensamento globalitário, compreendido como extensão e transplante do nível de industrialização e do nível de vida dos países centrais, já não representam uma perspectiva viável para o conjunto dos países periféricos do mundo. Por um lado, já não é desejado por aqueles que outrora foram seus agentes externos (os megas grupos industriais); por outro, conhecemos seus limites ecológicos incontornáveis, uma vez que os países avançados não querem renunciar a seus lucros e privilégios.

                    Como disse Robert Reich (ex-secretário do Trabalho do governo Clinton) em seu livro de 1991, a globalização é uma modalidade de funcionamento do capitalismo na qual "os ricos ficam mais ricos e os pobres ficam mais pobres". Mecanismos de integração seletiva fazem uma triagem naqueles países mais atrativos do ponto de vista da valorização do capital daqueles que não o são. Mas os países não são entidades homogêneas. Todos eles estão divididos em classes sociais de interesses econômicos diferentes e com freqüência antagônicos. As instituições criadas após a crise de 1929 e a Segunda Guerra Mundial haviam estabelecido limites ao poder do capital, e assim representavam um ponto de apoio para os assalariados diante de seus empregadores. A liberalização trazida pela "revolução conservadora" conseguiu enfraquecer fortemente essas instituições, quando não as destruiu.

                    A informação e o dinheiro acabaram por se tornar vilões, à medida em que a maior parte da população não tem acesso a ambos. São os pilares de uma situação em que o progresso técnico é aproveitado por um pequeno número de atores globais em seu benefício exclusivo. Resultado – aprofundamento da competitividade, a confusão dos espíritos e o empobrecimento crescente das massas, enquanto os governos não são capazes de regular a vida coletiva. Apesar disso, Milton Santos reconhece o começo de uma evolução positiva nas pequenas reações que ocorrem na Ásia, África e América Latina. Talvez pode ser este o caminho que conduzirá ao estabelecimento de uma outra globalização. A proposta deste livro é levar uma mensagem de esperança na construção de um novo universalismo, menos excludente.

                    Esse trabalho do professor Milton foi construído mais uma vez dentro de uma teoria social crítica, cujas raízes epistemológicas do pensamento geográfico, buscam a essência deste conhecimento, seus fundamentos, e justificam sua importância, sua necessidade e sua oportunidade, cuja ênfase central do livro vem da convicção do papel da ideologia na produção, disseminação, reprodução e manutenção da globalização atual. Como bem afirmou em entrevistas recentes sua produção de geógrafo, encontra-se em fase de abundância. Além de lançar "Por uma outra globalização" na Bienal de São Paulo, em breve sairá "Brasil", pela mesma editora. Outro livro, sobre Salvador, da sua Bahia natal, já está encomendado, também lançou um livro de entrevistas organizado pela Editora da Fundação Perceu Abramo. Santos diz que, enquanto Darcy Ribeiro pensou o Brasil a partir da perspectiva do povo e Celso Furtado o faz a partir da economia, sua ambição é realizar o mesmo através do território. Às intervenções da informação e do capital sobre o território, o professor da USP dá respostas marcadas pela interdisciplinaridade. A filosofia lhe é básica e diz ter em Sartre sua maior inspiração. Sobre os 500 anos do Brasil, pede um debate sisudo.

O desafio ao Sul

 “Os países subdesenvolvidos, parceiros cada vez mais fragilizados nesse jogo tão desigual, mais cedo ou mais tarde compreenderão que nessa situação a cooperação lhes aumenta a dependência. Daí a inutilidade dos esforços de associação dependente face aos países centrais, no quadro da globalização atual. Esse mundo globalizado produz uma racionalidade determinante, mas que vai, pouco a pouco, deixando de ser dominante. É uma racionalidade que comanda os grandes negócios cada vez mais abrangentes e mais concentrados em poucas mãos. Esses grandes negócios são de interesse direto de um número cada vez menor de pessoas e empresas. Como a maior parte da humanidade é direta ou indiretamente do interesse deles, pouco a pouco essa realidade é desvendada pelas pessoas e pelos países mais pobres. (...) graças à globalização, está ressurgindo algo muito forte: a história da maioria da humanidade conduz à consciência da sobrevivência dessa tercermundização (que, de alguma forma inclui, também, uma parte da população dos países ricos). (...) Então, uma globalização constituída de baixo para cima, em que a busca de classificação entre potências deixe de ser uma meta, poderá permitir que preocupações de ordem social, cultural e moral possam prevalecer."[2]


Notas:

[1] Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal - voltar

[2] Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal - voltar


* Professor de Geografia no Anglo e UNIBEM, especialista em geopolítica. Autor de livros didáticos pela Editora Módulo, Editora Expoente, IESDE Brasil, Editora FiloSofart e Editora BASE. - voltar

Referência: CROCETTI, Zeno Soares. Resenha: Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Revista Paranaense de Geografia, Curitiba, Nº 05, pp.95-97, 2000

© Associação dos Geógrafos Brasileiros - seção Curitiba.


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